sábado, 3 de novembro de 2018

Cordel do Capitão


Como todo bom Cristão
Eu sou contra o aborto
Mas para mim bandido bom
Só pode ser bandido morto

Pregar o “não matarás”
É algo que me frustra
Quero poder torturar
A la Brilhante Ustra

FHC eu quis fuzilar
É claro que isso ilustra
Minha forma de pensar
Bárbara, tosca e sinistra

Nosso cidadão de bem
Se defenderá armado
Glória a Deus. Amém!
- E se um tiro errado
Atingir um inocente?
- O que será, Presidente?
Se me perguntar não sei

A Deus o Estado laico
Ao Estado laico, adeus
Na vanguarda do arcaico
O exílio pros ateus

Trump e seus sofismas
São a minha inspiração
Promoverei as armas
O meio ambiente, não

Do Acordo de Paris
Também sairei feliz
Com visão pragmática
E um toque de cinismo
A mudança climática
É apenas alarmismo

Em Israel a embaixada
Vai para Jerusalém
Com uma canetada
Já que Donald assim fez
Eu vou fazer também
A Palestina não tem vez

Temos muito em igual
Fake news nos elegeram
Na nossa mídia social
As mentiras fatos geram

Twiter é praia de Trump
A minha é o Whats App
Ele odeia a BBC
Eu detesto a FSP

Reformarei a previdência
Mas com muita consciência
Pois não irá pelos ares
A pensão dos militares

Amazônia e Cerrado
É para a soja, para o gado
- Mas presidente, e o clima?
- A água, a biodiversidade?
Ora, isso a gente sublima
Lá tem petróleo e bauxita
E o ambientalista xiita
Vai chorar de verdade

O meu filho Eduardo
Idiota ao extremo
Ameaçou o Supremo
Me deixando encrencado

Chamei sua atenção
E pedi perdão ao ministro
Neste episódio sinistro
Quase perco a eleição

Entre as pérolas que falei
O afro-gado-descendente
Tinha mais de sete arrobas
Se eu tivesse filho gay
Esse filho indecente
Preferia vê-lo morto

Resumindo a proposta:
Não vai ter kit gay
É o bem contra o mau
Mudar tudo isso aí, tá OK?
 - Presidente, e a crise fiscal?
Não precisa soltar a franga
Sua repórter de bosta!
Pergunte ao Posto Ipiranga!

domingo, 23 de junho de 2013

Conversa de botequim I

Tanta leitura e observação fazem com que em algum momento idéias próprias venham à tona, ainda que elas sejam em parte uma síntese do que foi visto e lido. Em primeiro lugar, antipartidarismo é perigoso pois vai contra os ideais democráticos e só interessa aos que cultuam o poder autoritário, seja de esquerda, seja de direita. O antipartidarismo não pertence ao movimento e é totalmente diferente do seu caráter inegavelmente apartidarista. Não há apenas um partido político por trás das manifestações – e queira-se ou não, nem todos que estão nas ruas compartilham da mesma ideologia, ainda que todos tenham aparentemente um mesmo objetivo.
É preciso, de um lado, que as pessoas tenham a sensibilidade de não quererem impor ao movimento qualquer caráter partidário. Por outro lado, as reações contra eventuais bandeiras de partidos que teimam em querer participar não podem ser violenta. A liberdade democrática garante que bandeiras e camisas de partidos sejam usadas livremente nas ruas. No entanto, símbolos partidários em um local de grande aglomeração popular apartidária podem ser vistos como apropriação indevida e/ou desvirtuação do carácter apartidarista do movimento e, por isso, causar atritos pontuais, como de fato ocorreu em alguns episódios, tornando tênue o limite entre apartidarismo e antipartidarismo, entre democracia e facismo.  
Uma alternativa para garantir o apartidarismo do movimento sem manifestações antipartidaristas, que infelizmente serão inevitáveis de outra forma, seria promover a participação de todos os partidos. Não seria apenas uma bandeira, mas todas e, paradoxalmente, nenhum partido. Seria um verdadeiro teste de tolerância democrática vermos os símbolos das diferentes legendas lado a lado em prol de um objetivo comum, por mais ampla que seja a pauta das reivindicações.
A pauta central não é difusa, ao contrário, é bem específica. As repercussões na vida prática do cidadão e as formas de resolver os problemas é que são difusas. É unânime a insatisfação com a distância entre o que o cidadão paga ao Estado e o que dele recebe em termos de bens e serviços públicos. Esta distância boçal é justificada pela ineficiência da gestão, pelo inchaço, pelo corporativismo, pela representação efetiva de interesses de setores que são contrários aos do cidadão (como o das empresas de ônibus por exemplo) e, sem dúvida o mais revoltante, pela roubalheira vergonhosamente escancarada e impune. Esta insatisfação se dá corretamente com todos os partidos e é tentador querer jogar tudo no lixo e começar do zero. Isto porém, além de injusto (pois existem representantes sérios e honestos), seria utópico.

Não vejo apartidarismo como negação da política, como muitos estão interpretando. O movimento é claramente político, ainda que apartidário. A negação da política e da necessidade de representantes nas três esferas dos três poderes (inclusive para que as várias reivindicações possam ser implementadas) ou é anarquismo, ou simplesmente alienação, duas formas de utopia, uma bonita, a outra muito confortável. E o movimento é composto também, mas não apenas, de anarquistas ou alienados. 

sábado, 4 de maio de 2013

Domingo de Sol na Pont des Arts


Domingo de Sol* – literalmente – na simpática Pont des Arts. Calor para brasileiro nenhum botar defeito. Apesar da brisa não ser tão refrescante como no litoral nordestino e do Sena não ser a praia de Ipanema e não permitir tchibuns, o final de tarde foi vachement sympa. Brasileiros, aliás, numerosos, reunidos ali, em frente ao Louvre, na véspera da comemoração da Queda da Bastilha, marcando espaço. Recife, Fortaleza, Natal, Salvador, Sampa, Rio, BH, etc. Sudeste e Nordeste bem representados, mas é verdade que não faltou gente do Norte e do Sul também. O grupo Solo Brasil, que na quinta anterior fizera um espetáculo genial na Maison du Brésil, esteve exatamente no mesmo lugar da Ponte, exatas 24 horas antes, representando o Centro-Oeste.

Mas se falta a praia de verdade (Paris Plage é piada), a luz desta cidade não deixa à desejar. Esplendor de final de tarde - ou melhor, de final de noite, já que o sol se deitou perto das 11, quando o calor finalmente cedeu à brisa. Depois dos tradicionais tons de laranja, rosa e violeta, foi a vez de uma lua cheia e vermelha brindar os brasileiros que formavam a maior roda da ponte, justamente em volta da nossa bandeira pendurada na murada de ferro e até então brilhando, iluminada dignamente pelo sol poente.

Brasileiros em maioria, mas não faltaram nossos anfitriões franceses e irmãos argentinos. Lembrando dos coreanos e de outros turistas de n'importe que nacionalidades, que passavam babando e, muitas vezes, paravam para escutar a música mais rica do mundo, cantada e tocada pelo povo mais alegre - a despeito da pobreza material da grande maioria.

É bem verdade que alguns não se deram conta dessa babação geral, pois estavam ocupados cantado, tocando, vendo o sol se por ou a lua nascer. Mas quem parou para prestar atenção pode notar que boa parte dos que passavam em frente à roda sorriam e nos olhavam, com uma pontinha de vontade mal disfarçada de parar. O Ziraldo tem ou não tem razão quando diz que o Brasil é o único país cujo nome já vem seguido de ponto de exclamação? Pois é: Tu viens d'où? Do Brasil. Ah, du Brésil!!!!

Tanta admiração também pudera diante de um som tão bom, que ia de Paulinho da Viola a Luiz Gonzaga, de Zé Keti a João do Vale, passando por Jacksons e Chicos (Buarque, Science e César), Antônios (Jobim, Nóbrega) e Geraldos (Pereira, Vandré, Azevedo). Sem falar nas Claras, Elisas, Marias e Marisas, tantos outros brasileiros e brasileiras que daria para ficar um dia inteiro só escrevendo nomes.

Som que unia cavaquinho à flauta transversa, violão ao sax, permeado sempre pela percussão tradicional do pandeiro, tamborim, ganzá e atabaque. Admiração diante de tanta alegria que emanava dos nossos pesquisadores dublês de músicos e dos estudantes cantadores brasileiros. Tanto daqueles que estão de passagem quanto dos que estão por mais tempo.

Admiração verdadeira diante da comunidade brasileira na França, que se associa algumas vezes para cantar e mostrar sua cara sorridente e, vale lembrar também, para fazer valer seus direitos quando a ocasião pede - ou pelo menos tentar - como foi no caso da visita no Ministro Cristóvam Buarque, algumas semanas antes.

Mas como acontece geralmente nesta cidade, o último metrô (literalmente, e não o filme de Truffaut) marcou o fim dessa antológica noite brasileira na França. Só mesmo o fim do transporte barato para colocar a brasileirada na cama tão cedo, perto de uma da matina, sete horas após um tímido começo. Se não, certamente uma parte iria ficar até mais tarde – ou mais cedo, até o sol aparecer de novo na segunda. E isso tudo apesar do nosso amigo "Moi Congo!!!." Mas essa é uma outra história...

* Domingo de Sol foi um evento musical organizado pela Associação dos Pesquisadores e Estudantes Brasileiros na França - APEB-Fr.

(Publicado inicialmente no Yahoogroup  APEBFR em Julho de 2013)

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

No Calor dos Suicídios

São Paulo capital. Hoje, porém, a garoa desta terra está longe. Refugio-me do sol e do calor no café mais próximo que, no entanto, não acredita ou não está preparado para a temperatura. Seus aparelhos de ar-condicionado não dão vazão, e a sensação térmica é desconfortável. Termino O Globo de uso comum dos clientes e ligo para confirmar a primeira reunião do dia. Em vão. Cancelada. Faço uma segunda tentativa para acertar a tarde de trabalho que ficara combinada uma semana antes. Recebo do meu interlocutor uma promessa de retorno em algumas horas. 

Decido mudar de café na esperança de encontrar uma temperatura melhor. Enfrento o sol que insiste em martelar as cabeças dos que se aventuram pelas ruas. Nada feito. Talvez seja um mau da cidade. Mesmo longe do ideal, o calor é um pouco menor que no café anterior, e resolvo ficar um pouco mais. Termino o Valor, almoço, leio algumas páginas do Brooklyn Follies do Paul Auster e pelo celular troco emails duros  com um membro da família que vem tentando se matar com um automóvel.

O tempo passa e percebo que o telefonema confirmando a tarde de trabalho não virá e que terei o tempo  livre. Final de ano é assim mesmo, sobretudo os dias entre o Natal e o Reveillon. Se estivesse no Rio, seria ótimo, mas aqui em pleno Itaim Bibi, sinceramente, eu preferiria estar trabalhando. 

Resolvo aproveitar a tarde para comprar um presente para um casal de amigos que irei visitar a noite. Já havia decidido dar uma das biografias do Graciliano para um, e o mesmo livro que estou lendo do Paul Auster para o outro, mas como bom carioca deixara a compra para a última hora. Vejo pelo Google que há uma livraria bacana não muito longe, a cerca de 800 metros de onde estou. O mapa me faz seguir a rua do café ( Jerônimo da Veiga) até a Faria Lima, que cruzo até a Jorge Coelho. Pelo mapa, a Rua Doutor Mario Ferraz já seria logo ali, mas chego na Araçari e me perco. Ao ampliar o mapa, vejo que na verdade a Mario Ferraz é uma paralela. Por acaso encontro um atalho por dentro de um estacionamento que vai de uma rua à outra.

Meu primo me liga para comentar uma tarde super agradável que passamos juntos alguns dias antes em família, com outros primos e tios de quem gosto muito. Prometemo-nos nos ver mais. Chego no local onde seria a livraria, como indicado pelas placas. Vejo apenas um café. As quatro  poltronas bergères me seduzem instantaneamente. Esqueço-me até do calor. Mas lembro-me da missão seminal e pergunto pela livraria. Mudou-se para o Shopping JK, me informa a balconista. Procuro saber se há outras por perto e, ante as opções que se apresentam, resolvo ir até o tão falado centro de compras. 

Vejo no mapa que estou próximo a Jacurici, onde minha avó materna morou por vários anos. Resolvo passar em frente. Vejo de longe os três prédios de cor ocre que por esta característica sempre se destacaram (eu os identificava facilmente mesmo do avião). Chego na frente do prédio. Não me lembrava que ele se chamava Taormina, e tampouco do número 129. Engraçado, o apartamento onde minha mãe mora hoje, e onde minha avó morou até morrer, fica a  1290 metros dali e também se chama Taormina - e o número é 127!). Ao ver o prédio e as áreas comuns a nostalgia se intensifica. Recordo-me das brincadeiras de criança durante as férias na áreas comuns que unem os três prédios e que formam um enorme play ground térreo. Lembro-me em particular do poliopticon que ganhara da minha mãe e da Copa de 82, cujos jogos eu vira naquele apartamento. Margeio o novo Parque do Povo que, na época, dava lugar a uma pista de bicicros à qual meus pais tinham a pachorra de me levar para me trazer de volta sempre todo enlameado ou ralado.

Chego no shopping e me impressiono com o luxo da arquitetura e das lojas, mesmo já tendo lido a respeito.   Sinto-me meio deslocado, mas a temperatura ao menos está agradável. Caminho a esmo procurando pela livraria, observando a opulência do lugar. Ao caminhar recebo o telefonema de uma amiga chamando-me para ir à praia. Pergunto como foi de Natal e ela diz que foi pesado, pois uma amiga de 35 anos pulara do décimo andar e finalmente conseguira atingir o objetivo já tentado há dez anos, quando ela saltara de uma altura mais modesta. Eu a conhecera, era amiga de uma ex-namorada. Durante a conversa, erro pelo shopping com a cabeça no passado, sem perceber o que está ao meu redor. Lembro-me de alguns momentos com a menina, compadeço-me dela e de sua família. Penso no caso do suicida da minha família - que não se considera um suicida apesar de agir como tal - torcendo para que ele mude de comportamento - ou, ao menos, para que com ele permaneça a sorte ou a proteção divina que felizmente vêm evitando um acidente mais grave.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

La Cafetière


Tinha por suas cafeteiras italianas - sobretudo pela primeira, a menor - um apreço desproporcional ao que em geral atribuía às coisas de natureza material. Este apego se dava certamente pelas lembranças de ocasiões felizes marcadas pelo sabor da bebida feita no apetrecho em metal prateado. Como se a cada ritual de preparação de um café, as reminiscências dos momentos passados aflorassem com seu delicioso aroma e, aceleradas - seria pela cafeína? - desfilassem em seu pensamento.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

walking in the city

Caminhava pela rua em que morava. Ia privilegiadamente a pé e sem pressa rumo a um compromisso. Seguindo regras um tanto o quanto básicas de sobrevivência, parou na esquina antes de atravessar a rua e olhou para os lados. Ao ver o ônibus parar bem antes do cruzamento, voltou a cabeça para o alto, em busca de um sinal vermelho, ainda que soubesse que ali não havia sinal. O ônibus piscou o farol, confirmando a gentileza. Ao atravessar, acenou ao condutor para agradecer, e viu que um cadeirante também atravessava a rua. Pode então entender melhor o comportamento daquele motorista, que passou a admirar. Ficou ainda mais feliz quando viu que, na calçada, havia uma rampa para a cadeira de rodas, e sentiu na boca um gosto bom de civilidade e cidadania. Não estava em Oslo, mas em Niterói. Lembrou-se então que já há algum tempo vinha reparando que, no sempre congestionado Centro do Rio, um número crescente de motoristas parava antes da faixa de pedestres, mesmo com o sinal aberto para seus veículos, e só seguiam adiante certos do espaço suficiente, para que não fossem eventualmente obrigados a parar bem no meio da faixa, interrompendo o fluxo de pedestres, inútil imbecilidade que o deixava extremamente irritado.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Une Vraie Histoire


Cumprimentou o gardien que, ajoelhado, lustrava o batente de metal dourado da porta de entrada. Ao passar por ele, sentiu o cheiro rançoso do suor não lavado do corpo. Subiu os três lances de escada e, para sua estupefação, o odor o perseguia. Pensou em subir os 3 andares restantes, por curiosidade, apenas para testar o alcance daquele cecê. Estava, porém, atrasado, e deixou de lado a peculiar idéia. Abriu a porta do deux pièces que lhe fora emprestado gentilmente pelo seu amigo - que estava na Suíça, trabalhando na tradução do La Disparition, de Georges Perec - pegou o telefone celular esquecido e desceu, mas desta vez com a mão tampando devidamente as narinas.