segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

O Simpatissímimo Homem das Neves

O Marius é uma figura incontornável da cena esportiva e alternativa de Oslo. Do lado esportivo, pratica muito bem surf, snow board, skate, snow skate, entre várias outras modalidades. Foi o pioneiro do snow board e posteriormente do snow skate na Noruega. Nas pistas, é conhecido de todos, não apenas por pelo seu visual, com seus dredlocks louros de mais de um metro de cumprimento, que ele usa enrolado em torno da cabeça, como se fosse um chapéu, mas também pela sua simpatia e sua boa energia.

Do lado alternativo, vegetariano há 15 anos, costuma se alimentar às vezes da mesma folhagem consumida pelos alces. Mais alternativa ainda, e sobretudo corajosa, foi sua experiência de viver na floresta de Nordmarka, a cerca de 10km do centro de Oslo, durante quase 3 anos seguidos, incluindo portanto dois invernos - que na Noruega são rigorosos - quando enfrentou temperaturas de quarenta graus negativos e, o mais incrível, sem barraca ou tenda.

Inacreditável! Difícil compreender não apenas como o Marius conseguiu sobreviver em condições tão adversas mas também os motivos que o levaram a se submeter a uma prova tão rigorosa - sem nenhuma mídia e sem nenhum livro a ser lançado por trás.

Mas a história tem várias testemunhas e é notória em Oslo. O Marius, por essas e outras, é um personagem bastate conhecido. Quem quiser ver para crer, basta dar um pulo em Oslo. A beleza da natureza local e as good vibes do cara já fazem a viagem valer a pena.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Natal sem consumismo

Gostaria de desejar a todos os leitores deste blog (ou seja, eu) um Feliz Natal e um Próspero 2009, mas para não ficar no cliché mais convencional do mundo, espero que tanto este Natal quanto o ano de 2009 sejam sem muito consumismo, ou seja, que vocês não precisem ficar con su mismo velho sapato, con su mismo velho carro, con su mismo velho tocador de CDs - e para os vascaínos, con su mismo time na segunda divisão.

Que todos possam consumir, trocar, gastar. Afinal, a obsolecência programada foi feita para dar dinamismo à economia. Ajudem os EUA e a economia mundial a saírem da crise. E o Juquinha a comer caviar.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Com Bogart e Bergman no Marrocos

Junto-me a Bogart e a Bergman no Marrocos. A despedida também é difícil para mim. Na saída do cinema, as ruas de Copacabana gritam, insistindo em me chamar de volta à Terra. Tento ignorar o apelo. Resisto e permaneço no aeroporto de Casablanca. Aos poucos, porém, a realidade vai se impondo. Lixo, policiais, putas e malandros - tudo isso em apenas dois quarteirões . . .

Uma criança de uns três anos passa correndo. Seu sorriso lindo me faz rir também. Comento como é bonita. Mas logo me dou conta da sua pobreza. Está com a mãe, esperando o lixo do supermercado. Um tanto o quanto cínico, penso: "pelo menos é o lixo bom". Aterrizo de vez.

No entanto, alguns momentos mais tarde, no vão central da Ponte Rio-Niterói, a lua recém saída do horizonte, grande e amarelada, me faz decolar de novo. Apóio meus braços no volante e fico babando. Entre nós, os postes desfilam monotonamente. Sinto-me vivo, pulsando com o Universo.

Do rádio com o volume no máximo, Bob Marley dá o toque final ao tableau. "No sun will shine in my day today /the high yellow moon / won't come out to play...". Concrete Jungle. A música vem por frequência modulada no exato momento em que eu percebia a lua, criando uma estranha sensação de sincronicidade inversa.

Subitamente, porém, reprimo a emoção. Péssimo reflexo. Lamento. Mas logo me consolo com a perspectiva do próximo filme, lua, música ou letra virem a transformar a brasa em chama novamente.

Niterói, meados de 1999

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

La Butte aux Cailles e le Temps des Cerises

A Butte aux Cailles representa uma ínfima porém muito especial parte do 13ème arrondissement de Paris. A colina, situada entre a Place d’Italie, o Boulevard Auguste Blanqui e a Rue de Tolbiac, é um lugar bem conhecido dos estudantes da Cité Internationale Universitaire de Paris, distante 15 minutos a pé, e frequentada principalmente por seus bares e restaurantes, entre os quais Chez Gladines, Le Temps des Cerises, Le Merle Moqueur, La Folie en Tête, para citar apenas alguns. Pode-se até dizer, forçando um pouco a barra com a ajuda da saudade, que suas ladeiras de paralelepípedo lembram um pouco Santa Teresa, no Rio.

Mas o preço cada vez mais elevado das suas pequenas casas e prédios, bem como seu público cada vez mais burgeois-bohème (ou simplemente bobo na linguagem parisiense), escondem seu passado bem diferente de bairro operário e bastante degradado pelo tipo de atividade industrial que abrigava: curtumes, abatedouros, lavanderias, entre outras, que utilizavam os recursos hídricos do rio Bièvre, que passa por perto - porém não mais a céu aberto.

O quartier foi também um foco de resistência durante o episódio da Commune de Paris, em 1871. A Place de la Commune e a sede da associação Les Amis de la Commune de Paris (46, rue des Cinq Diamants), ambas situadas no quartier, são apenas algumas das evidências presentes deste passado, bem como o nome dos bares e restaurantes citados no início.

De fato, com exceção do Chez Gladines, estes nomes foram tirados da canção Le Temps des Cerises, poema escrito pelo chansonnier e revolucionário JB Clément, um ator importante da resistência ao governo de Versailles, musicado por Antoine Renard em 1866 e dedicado a posteriori à Louise Michel, outra valorosa commundarde, conhecida como a “vaillante ambulancière de la rue Fontaine-au-Roi, le dimanche 28 mai 1871”.

A música, cuja letra segue abaixo, foi regravada recentemente pelo grupo de rock francês Noir Désir e pode ser escutada livremente em seu site.

Le temps des cerises
(JB Clémentet /Antoine Renard)
Quand nous chanterons le temps des cerises
Et gai rossignol et merle moqueur
Seront tous en fête
Les belles auront la folie en tête
Et les amoureux du soleil au coeur
Quand nous chanterons le temps des cerises
Sifflera bien mieux le merle moqueur
Mais il est bien court le temps des cerises
Où l’on s’en va deux cueillir en rêvant
Des pendants d’oreilles
Cerises d’amour aux robes pareilles
Tombant sous la feuille en gouttes de sang
Mais il est bien court le temps des cerises
Pendants de corail qu’on cueille en rêvant
Quand vous en serez au temps des cerises
Si vous avez peur des chagrins d’amour
Evitez les belles
Moi qui ne crains pas les peines cruelles
Je ne vivrai pas sans souffrir un jour
Quand vous en serez au temps des cerises
Vous aurez aussi des peines d’amour
J’aimerai toujours le temps des cerises
C’est de ce temps-là que je garde au coeur
Une plaie ouverte
Et Dame Fortune, en m’étant offerte
Ne saura jamais calmer ma douleur
J’aimerai toujours le temps des cerises
Et le souvenir que je garde au coeur