segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Chez Gladines

O Chez Gladines é um restaurante basco que fica na boêmia Butte-aux-Cailles e que serve uma comida farta e relativamente barata para os padrões parisienses. Seu cardápio é baseado em saborosos pratos e vinhos típicos da região sudoeste e do país basco. O ambiente é jovem, descontraído e barulhento. Guardando as devidas diferenças, o Chez Gladines é o meu Jobi em Paris.

O restaurante também é conhecido por suas saladas individuais servidas em bacias imensas e é muito frequentado pelos residentes da Cité Internationale Universitaire de Paris, onde fica a Maison du Brésil (que por sinal está completando 50 anos este ano) e outras 40 residências que, conjuntamente, reúnem cerca de 5.000 estudantes de quase todos os cantos do planeta.

É incrível como o restaurante consegue garantir um serviço simpático e eficiente, mesmo com apenas duas pessoas servindo e uma terceira no bar. Isto sem contar que o restaurante está sempre lotado, inclusive os corredores, o que dificulta ainda mais o trabalho dos pessoal da casa, que apesar de tudo, está sempre de bom humor e com o sorriso aceso. Lembro-me perfeitamente de uma das primeiras vezes em que estive no Chez Gladines, quando praticamente levei um pito do gerente na hora do até logo, pois eu me despedira com o sorriso desligado. É, parece que no tange os dentres à mostra, o pessoal da casa exige reciprocidade dos clientes. Tá certo.

O restaurante não faz reserva e nos dias mais cheios, uma mesa grande pode levar mais de uma hora para ser acomodada, o que não é nada se comparado a alguns restaurantes em Paris cujas reservas são feitas com meses de antecedência – só não me pergunte quais, pois eu, felizmente ou infelizmente, não frequento este tipo de lugar. No Chez Gladines é necessário deixar o nome no bar, e as pessoas são instaladas por ordem de chegada. Para se evitar a angústia da espera e para não precisar forçar o sorriso depois, o lance é prever a fome, ou ainda evitar os horários de pico, entre 20h e 22h3o, sobretudo se a mesa for para mais de 4 pessoas. Outra solução é simplesmente relaxar e ficar tomando uma cerveja na porta, com a rapaziada que lota a calçada, lembrando um pouco o Baixo Gávea - olhem aí mais um exemplo de comparação que não existiria sem a saudade.

Há um outro porém que pode desagradar aos que estão acostumados com os cafés de Paris, onde o simples consumo de um expresso permite que se permaneça o dia inteiro sentado na mesma mesa: no Gladines, ao retirar o prato, o garçom pergunta pela sobremesa e, face a uma negativa, propõe o tradicional café, trazendo a conta em seguida. Se o cliente insistir em ficar, ele explica gentilmente o óbvio, ou seja, que tem a maior galera esperando, faminta, a sua vez. Para quem prefere comer com calma, o lance é chegar perto do fechamento da cozinha - não me lembro dos horários da tarde, mas durante o jantar, a cozinha abre às 19h30 e fecha no mínimo à meia-noite, todos os dias, fora quarta e sábado, quando fecha à uma hora da matina, o que é bastante raro em Paris. Também não estranhe se você tiver que dividir a mesa, praxe do local que muitas vezes resulta em encontros interessantes. Ah, pagamento apenas em cheque ou dinheiro.

Quem vier a Paris só para ir ao Chez Gladines, para não haver fustração, como no caso do meu amigo Aldo, deverá se informar sobre o período de férias, por volta de julho e agosto, quando o restaurante fecha as portas, como boa parte do comércio em Paris.

Apesar dos pesares, o lugar paga a pena. Bom, sou suspeito para falar, pois passo lá pelo menos uma vez por semana, além de ter compelido gentilmente os cerca de 80 amigos que tive o prazer de hospedar em Paris, a irem conhecer o restaurante. E todos, sem exceção, curtiram muito o programa.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Simplesmente Cassis

O licor de cassis é bastante usado no Brasil para incrementar o creme de papaia - comum nas churrascarias rodízio - e também na França, misturado ao vinho branco ou ao champanhe, para se fazer o tradicional kir e a sua versão royal.

Mas além da fruta e do licor, Cassis é também um vilarejo turístico que fica a sudeste de Marseille e que não deixa de lembrar Paraty, mesmo tendo-se em mente as diferenças entre as duas belas cidades, que não são poucas. Talvez esta aproximação seja apenas mais um exemplo de como a subjetividade e a saudade podem influenciar avaliações e comparações.

Cassis tem como principais atrações seu pequeno e velho porto (transformado em marina), com seus bares, restaurantes e lojas; seus vinhedos (a apelação Cassis é bastante conhecida, sobretudo graças ao vinho branco da região); suas praias; o Cap Canaille e também as Calanques.

Ah, as Calanques... Pequenas baías em forma de V, que vão de Cassis até Marseille, nas quais o já calmo mediterrâneo se torna uma verdadeira piscina azul-turquesa. Um paraíso, sobretudo para quem gosta de nadar e do contato com a água do mar. Existem 14 calanques, entre as quais Port-Pin, Port-Miou e En-Vau, as mais próximas de Cassis, que podem ser acessadas com uma caminhada repleta de subidas íngrimes.

É possível também fazer o passeio de barco, saindo do porto de Cassis ou de Marseille. Ainda que dos barcos veja-se muito bem o esplendor tanto das falésias que formam as calanques, quanto das suas águas transparentes, o passeio é curto, e o melhor mesmo é passar pelo menos uma boa parte do dia em uma delas, de preferência na de En-Vau, sem dúvida a mais bonita entre as três calanques citadas.

O Mistral, famoso vento da região, apesar de ajudar a abrir o tempo, faz com que a temperatura da água caia drasticamente, além de deixar o mar agitado, a ponto de, às vezes, impedir o passeio de caiaque. O Mistral, que pode chegar a 100 km/h, resseca o ar e a vegetação por onde passa, e quando ele sopra, o risco de incêndio em geral aumenta bastante. Neste caso, o acesso por terra e a permanência nas calanques são proibidos.

Para quem prefere um contato mais direto com o mar, uma outra possibilidade é fazer o percurso de caiaque, que podem ser alugados no porto de Cassis, de onde se chega às calanques com menos de uma hora de remada bastante segura. Além do mar ficar bem calmo com bastante frequência, os cerca de 3 km que separam o porto das primeiras calanques são protegidos, de um lado, pela costa rochosa e, de outro, por boias que demarcam a área na qual a entrada dos barcos a motor é proibida.

Aqueles que estão em forma, conhecem o mar, sabem e gostam de nadar, podem, inclusive, deixar o caiaque de lado para irem a nado. Se forem acompanhados por alguém em caiaque, a aventura torna-se ainda mais segura.

Nas falésias é comum de se ver alpinistas ou ainda saltadores. Estes últimos usam como base para seus sensacionais mergulhos no mar as diversas plataformas formadas naturalmente nas falésias. Os saltos mais ousados podem chegar a mais de 20 metros!

Os meses de agosto e julho são os mais quentes, porém também os mais cheios. Em períodos de média temporada (maio, junho e setrembro) é possível juntar dias quentes e ensolarados com baixa frequentação turística, o que torna o passeio ainda mais agradável.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Um Pouquinho de Marseille


Com quase um milhão de habitantes, Marseille é a segunda commune da França. A cerca de 800 km de Paris, a distância é reduzida relativamente pelo TGV, que leva apenas 3 horas para ir de uma cidade a outra.

Fundada pelos gregos em tordo de 600 A.C., Massalia (ou Marselha em provençal, ou ainda, Massilia em latim) é a mais antiga aglomeração urbana da França, bem como o primeiro porto do país e do Mediterrâneo. A cidade apresenta uma série de atrativos e também de problemas, descritos de forma apaixonada e um tanto o quanto poética pelo escritor francês de origem ítalo-espanhola Jean-Claude Izzo (Marseille, 20/06/1945 - 26/01/2000). Izzo permeia seus romances policiais com análises sociológicas inteligentes e sóbrias, sobretudo em torno dos imigrantes, dos franceses filhos de imigrantes - ele mesmo filho de pai imigrante de origem italiana e de mãe filha de espanhois – e das dificuldades enfrentadas por estes. Inclusive, o caso de Marseille pode ser estendido a outras cidades francesas, especialmente Paris e sua região metropolitana.

Marseille tem como limite geográfico a sudeste as famosas Calanques, de uma beleza impar, às quais se segue a também belíssima e pequenina Cassis, com seu porto e sua elevada concentração de turistas. Cassis por sua vez é limitada a sudeste pelo Cap Canaille que, devido às propriedades das rochas que o formam, muda de cor sob o sol, tal qual um camaleão.

Várias pessoas do local afirmam que vestígios de carros podem ser vistos por quem passa de barco ao longo do cabo. E reza a lenda que estes carros teriam sido lançados no precipício por mafiosos, com pessoas vivas dentro - adversários ou traidores da máfia de Marseille - como forma de punição. Plausível.

Em seu penúltimo livro, Solea, o último da triologia marseillese - que aliás eu recomendo a quem gosta do gênero policial - Izzo faz uma análise sólida e documentada sobre a máfia local.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Neve em Paris

Nesta segunda-feira, Paris amanheu sob a neve, que caiu sem parar também durante todo o dia, que ganhou uma tonalidade meio branca meio cinza. A neve em Paris não é raridade, mas também não é a tônica da cidade. Chega a nevar duas vezes na mesma estação, mas tem inverno em que a neve passa em branco, ou seja, não vem. Ao menos, esta tem sido a frequência durante os meus seis anos na Cidade-Luz, período, cabe ressaltar, insuficiente para qualquer avaliação mais precisa em termos de regularidade climática.

Vale lembrar porém que no final do ano passado, mais exatamente na madrugada do dia 30 de novembro de 2008, a três semanas portanto do final do outono, nevou em Paris, o que não acontecia há várias décadas, provavelmente mais um sinal das mudanças climáticas que já começaram a se manisfestar em diversos pontos do planeta.

Paris é uma cidade intrinsecamente romântica, e a neve, sem dúvida acentua este aspecto. Recordo-me bem de um começo de namoro, saindo de um pub de jazz no cinquième, sob uma neve de flocos enormes. A caminhada de 20 minutos até chegarmos em casa foi algo inesquecível.

A neve já tinha me acolhido com sua alva beleza logo após minha chegada em Paris, no final de novembro de 2002. Alguns dias após o Natal do mesmo ano, ela caiu forte novamente, vestindo de branco a cidade, preparando-a para o réveillon. Lembro-me que estava jogando bola com a rapaziada na Cité Universitaire, onde morava, quando começou a nevar. A pelada teve que terminar, não por causa do frio - senão, ela não nem teria nem começado - mas sim por causa da visibilidade, pois a medida em que a neve se intensificava, não conseguíamos mais ver a bola. Depois de várias caneladas, resolvermos parar.

Lamento apenas que a neve de hoje esteja manchada pelo vermelho conflito em Gaza ...