segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Domingo de Sol na Pont des Arts

Domingo de Sol na simpática Pont des Arts. Calor para brasileiro nenhum botar defeito. Apesar da brisa não ser tão refrescante como no litoral do nordeste e apesar do Sena não permitir mergulhos, como em Ipanema, o final de tarde foi vachement sympa.

Brasileiros, aliás, numerosos, reunidos ali, em frente ao Louvre, marcando espaço na véspera da comemoração de mais um aniversário da Queda da Bastilha. Recife, Fortaleza, Natal, Salvador, Sampa, Rio, BH, etc. Sudeste e Nordeste na fita, mas é claro que não faltou gente do Centro, Norte e Sul do país. Mas se falta a praia de verdade (Paris Plage é piada), a luz desta cidade não deixa a desejar.

Esplendor de final de tarde, ou melhor, de final de noite, já que o sol se pôs lá pelas 23h, quando o calor finalmente cedeu à brisa. Depois dos tradicionais tons de laranja, rosa e violeta, foi a vez de uma lua cheia e vermelha brindar os que formavam a maior roda da ponte, em sua maioria brasileiros, justamente em volta da nossa bandeira pendurada na murada de ferro e fosforescente à luz do sol poente. Mas não faltaram nossos anfitriões franceses nem los hermanos argentinos. Lembrando dos coreanos e de outros turistas de várias nacionalidades diferentes, que passavam babando e, muitas vezes, paravam para escutar uma das músicas mais ricas do mundo.

É bem verdade que poucos do grupo se deram conta dessa babação geral, pois estavam ocupados cantado, tocando, vendo o sol se pôr ou a lua nascer. Mas quem parou para prestar atenção pôde notar que boa parte dos que passavam em frente à roda sorriam e nos olhavam, com uma pontinha de vontade mal disfarçada de parar.

O Ziraldo tem ou não tem razão quando diz que o Brasil é o único país cujo nome já vem seguido de ponto de exclamação? Pois é:

- Tu viens d’où?
- Do Brasil.
- Ah, du Brésil!!!


Também pudera tanta admiração diante uma alegria contagiante e de um som tão bom, que ia de Paulinho da Viola a Luiz Gonzaga, de Zé Keti a João do Vale, passando por Jacksons e Chicos (Buarque, Science e César), Antônios (Jobim, Nóbrega) e Geraldos (Pereira, Vandré, Azevedo). Sem falar nas Claras, Elisas, Marias e Marisas, tantos outros brasileiros e brasileiras que daria para ficar um dia inteiro apenas escrevendo nomes. Som que unia cavaquinho à flauta transversa, violão ao sax, permeado sempre pela percussão tradicional do pandeiro, tamborim, ganzá e atabaque. Admiração diante de tanta alegria que emanava dos nossos pesquisadores dublês de músicos e dos estudantes cantadores brasileiros.

Admiração verdadeira diante da comunidade brasileira na França, que se associa algumas vezes para cantar e mostrar sua cara sorridente e, vale lembrar também, para fazer valer seus direitos quando a ocasião pede. Mas como acontece geralmente nesta cidade, o último metrô (literalmente, e não o filme de Truffaut) marcou o fim dessa antológica noite brasileira na França. Só mesmo o fim do transporte barato para colocar a brasileirada na cama tão cedo, perto de uma da matina, 7 horas após um tímido começo. Se não, certamente uma parte iria ficar até mais tarde – ou mais cedo, até o sol aparecer de novo na segunda.
Paris, 13 de julho de 2003

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Um Sábado em Bruxelas

Estou em Bruxelas, hospedado na casa de Laure e Giuliano, um querido casal franco-italiano que mora na cidade há 4 anos. O passeio mais interessante da viagem porém não foi pelas ruas, mas sim o que acabo de fazer na discoteca de Giuliano.
Impressionado com as dezenas de centenas de CDs, sobretudo de música clássica e ópera, começo a fazer perguntas. Descubro assim que a classificação dos CDs é feita por ordem cronológica, seguida por compositor e gênero, para finalmente voltar à cronologia. Impossível para um leigo como eu encontrar algo, a não ser por acaso, na sua esplêndida discoteca.

Ao refletir sobre seu sistema de classificação, começo a perceber como funciona a cabeça de um musicólogo: a cronologia é fundamental. Metralho Giuli com perguntas e começo a conhecer um pouquinho sobre a história da música clássica e de seus compositores. Lanço um desafio: coloco um disco atrás do outro, a esmo, e em menos de 10 segundos, a resposta, sempre com o nome correto do compositor: Brahms, Debussy, Mozart, Bach, Vivaldi, Verdi, Liszt, Tchaikovisky, Stravinsky, Scriaban, Bartók, etc. Alguns segundos mais e o nome da obra, na maioria das vezes exato. Impressionante!

Uma ínfima parte de um mundo completamente novo para mim. Ao final, estava mais do que convencido do seu conhecimento e impressionado pela sua cultura musical. E quanto mais conheço deste universo em geral, mas descubro que não conheço nada.

O sol brilha, coisa rara em Bruxelas, e aproveitamos para fazer um longo passeio a pé, de Ixelles até o Canal de Bruxelas, que comparamos ao de Saint Martin, em Paris, apenas para ironizar, pois esta parte da capital européia, com seus armazéns abandonados, é realmente feia.

Voltamos na direção de casa e paramos para almoçar numa peixaria que existe há 25 anos, mantida por um simpático casal franco-belga, Joel e Bill, que há dez anos decidiu abrir um pequeno bistrô dentro da própria peixaria. Giuliano cumprimenta Joel como se fosse uma amiga de longa data e logo sinto-me em casa. A cozinha americana acentua esta impressão. A comida e o vinho são deliciosos.

Retomamos o passeio com uma parada final em um café. Giuliano pede um chocolate quente, e diante das dez possibilidades de tipos de cacau, simplifico e peço um café expresso.

No dia seguinte, um pouco antes de partir, aproveito para gravar alguns discos e, ao mesmo tempo para mostrar ao casal o texto que fala a seu respeito. Como eles não falam português, leio uma tradução grosseira para o francês. No meio da leitura, Giuliano me interrompe para perguntar a hora do TGV. Olho o relógio e corro fazer a mala para não perder o trem.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Concerto para Mudar Destinos

Melhor do que assistir a um concerto com vários artistas de qualidade em uma só noite é fazê-lo sabendo-se que os recursos arrecadados irão para uma bela causa, que fica ainda bonita quando se vê, durante o próprio concerto, a estrutura de voluntariado formada para viabilizar o espetáculo.

Foi exatamente o caso da terça-feira passada, 3 de fevereiro, quando se reuniram Sanseverino, Abd Al Malik, Emily Loizeau, Mathieu Boogaerts, Juan Rozoff, Albin de la Simone, Julie B. Bonnie, Spleen, Jean-Marc Zelwer, DJ Shalom, Noun Ya e l’Hilaire Penda Quartet, que atraíram uma mulditão à prefeitura de Montreuil, cidade limítrofe de Paris.

As pessoas que trabalhavam na organização do espetáculo, maior parte voluntária, eram numerosas, haja visto o tamanho do evento e a quantidade de artistas, e davam uma boa ideia da extensão da rede de solidariedade. Além do trabalho de organização, o evento foi viabilizado graças à participação, sem cachê, de artistas que lotam salas como o Zenith por exemplo, pelo empréstimo do equipamento de som e pela cessão, também sem custo, do espaço.

E nada mais lógico que músicos apoiando este bonito projeto que se chama Jeunes Musiciens du Monde, iniciativa de um casal franco-canadense que juntou a paixão pelo país de Ghandi e pela música a um valor cada vez mais raro: a solidariedade.

Este casal fundou, em 2002, a escola Kalleri Sangeet Vidylaya, situada em um vale próximo a cidade de Dhawad, estado de Karnata, sudoeste da Índia. Durante o concerto, foi exibido um vídeo emocionante sobre a escola, totalmente mantida pelo projeto Jeunes Musiciens du Monde. Praticamente no meio da floresta, a escola recebe filhos de camponeses. A maior parte das crianças já trabalha duramente no campo e muitas vezes chega à escola com os sonhos completamente destruídos pela vida difícil que levam. A escola é gratuita e em regime de semi-internato. Os alunos são portanto alimentados e recebem, além do ensino convencional, cursos de yoga e de música tradicional. E é neste ambiente caloroso e com um certo conforto material, apesar da simplicidade rústica das instalações da escola, que a música surte seu maior efeito, ou seja, de resgatar a auto-estima, a confiança e a esperança de mais de uma centena de crianças.

Uma gota d'água no oceano, mas sem dúvida uma iniciativa muito bonita, que aliás se multiplicou na França e no Canadá, onde são mantidas outras escolas, num total de quatro para o projeto. Quatro gotas d'água no oceano. Mas tem também o Afroreggae, Vigário Geral, Rio de Janeiro, que apesar de independente e diferente do projeto Jeunes Musiciens du Monde, tem em comum com este o objetivo primordial de resgatar os destinos de crianças pobres. E felizmente há muitos outros projetos do gênero, no Brasil e no mundo. E de gota em gota vão se formando as ondas que, por sua vez, arrastam consigo outras gotas.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Neve em Paris II: is Climate Changing?

Cinco da matina e o despertador interrompe meu sonho de forma um tanto o quanto arrogante. Tenho pouco tempo para me arrumar, pois em 10 minutos um taxi estará me esperando na porta de casa. Na pressa, não abro a persiana, e só percebo a neve ao sair do elevador.

Terceira nevasca em Paris durante os dois últimos meses, faltando ainda dois outros para terminar o inverno. A primeira neve caíra ainda no outono, o que não acontecia há décadas. A segunda fora seguida de uma onda de frio, quando a temperatura na região parisiense chegara a 12 graus negativos, também raríssimo, mantendo a cidade branca durante uma semana inteira.

Hoje, a terceira neve preenche de branco minha varanda à medida que a tela do computador é preenchida por caracteres negros, trazendo, além da inspiração, atrasos em Orly e em Charles de Gaulle, e dificuldades de circulação em dezenas de cidades no norte da França.

No taxi me viera à lembrança os relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, laureado com o Prêmio Nobel da paz, juntamente com Al Gore. Prováveis alterações no sistema climático da Terra devido à intensificação do efeito estufa. Furacões, secas, enchentes. Fenômenos naturais extremos cada vez mais intensos e frequentes. Y otras cositas más. Vai dar merda. Opinião compartilhada de forma cada vez mais consensual por vários cientistas, de várias áreas do conhecimento e do planeta. Que merda. Tomara que estejam errados. Toda unanimidade é burra. Agarro-me com toda força na sabedoria de Nelson Rodrigues como uma última esperança. No entanto, as neves em Paris me gritam a evidência das mudanças climáticas provocadas pelo Homem.

O dramaturgo cede lugar a Euclides da Cunha. Mas deixo de lado dicotomias e cisões cidade-campo e sertão-litoral. Abandono as interpretações do “fenômeno sócio-histórico-geográfico-antropológico do sertão-periférico”. Evito a estética de Glauber. Pessimista, penso na profecia de Antônio Conselheiro sem metáforas. O sertão vai virar mar. Um mar de areia? E o mar, invadirá o sertão?