segunda-feira, 30 de março de 2009

Jongo da Serrinha: de Madureira para o Mundo

Quando cheguei no Rio em agosto de 2003 foi uma alegria só. Depois de quase um ano em Paris – continuação dos quase 30 vividos até então na cidade de Jobim - rever família e amigos foi uma sensação maravilhosa.

Mas deixo para uma outra oportunidade a família e os amigos, que aliás moram no meu coração, e passo direto para a Lapa, mais precisamente, rua do Lavradio, rua que eu já frequentava nos idos de 95, quando trabalhava no Centro. Nesta rua fica o Rio Scenarium, um sobrado de três andares de pé-direito alto, vazados sobre o palco no térreo, e que além de antiquário e centro cultural, está na moda. Foi lá que vi pela primeira vez, em agosto de 2003, Luciane Menezes e Pau da Braúna, justamente por ocasião destas minhas primeiras férias no Brasil.

Meu camarada Tatá (ou será que foi a Ana?) havia me perguntado “você conhece Luciane Menezes e Pau da Braúna não então tem que conhecer vai se amarrar”. Então tá. Não deu outra. Os shows eram sempre aos sábados, no Rio Scenarium, e em quatro dos cinco finais de semana que passei no Rio estive no centro cultural para ver o grupo. O único sábado em que estive ausente, com uma dor no coração, foi para ver o autor de A Tábua de Esmeralda se apresentar em um daqueles armazéns da Praça Mauá.

Durante minha juventude vi aos poucos o centro do Rio se revitalizar. Houve um tempo em que a noite escura da Lapa tinha apenas o Circo Voador como único ponto de luz. Depois vieram a Fundição Progresso, o Semente, e os antiquários da Lavradio. Um pouco depois, outros sobrados seriam restaurados: Carioca da Gema, Centro Cultural Carioca, Dama da Noite, entre outros.

Um pouco antes de vir para Paris, havia me tornado fã de carteirinha do Cordão do Boitatá, que além de um carnaval de rua, fazia um show maravilhoso todas as segundas-feiras no Carioca da Gema. Fiquei amigo da rapaziada pois o lugar era pequeno e o pessoal curioso queria saber quem era aquele maluco que há dois meses batia ponto semanalmente.

Abrindo um parênteses: outro dia o Pedrinho Miranda, que faz parte do Cordão do Boitatá, esteve em Paris com a Teresa Cristina. Fizeram um show maravilhoso no Cabaret Sauvage, onde eu estava trabalhando como DJ. Tivemos a oportunidade de conversar um pouco e eles ficaram super felizes em saber que, nas festas que animo, uso muito os discos do Boitatá, da Teresa Cristina (com quem o Pedro também toca), bem como o disco da Luciane Menezes e Pau da Braúna.

Mas voltando ao Rio Scenarium. Acabo de chegar em casa vindo do Carreau du Temple, onde fica o Espace Brésil, um dos principais eventos do Ano do Brasil na França. Muita gente boa tem passado por lá. E hoje tive o privilégio e o prazer de dançar, em pleno Marais, no coração de Paris, jongo, ciranda, maracatu, xote, baião, quadrilha, côco, côco de roda, samba, bumba-meu-boi, etc.

Um casal de jovens dançarinos (talvez mais para adolescentes do que jovens), que eu havia reparado já no Rio Scenarium em 2003, ensinava os passos básicos, e o público seguia, bem ou mal, a coreografia. Provavelmente de origem humilde, foi legal vê-los em Paris.

No Morro da Serrinha, em Madureira, reside uma das comunidades descendentes de escravos que souberam muito bem preservar suas raízes, e o Jongo teve papel importante. E isto, graças ao trabalho de Mestre Darcy do Jongo, falecido no final de 2001, de sua mãe, Vovó Maria Joana Rezadeira, de Tia Maria do Jongo, ainda ativa, e também da geração mais nova, como Luciane Menezes e Marcos André, que se apresentaram em Paris e que também fazem parte do Centro Cultural Jongo da Serrinha.

Com vocês, no Carreau du Temple, uma pequena amostra do Jongo da Serrinha, de Madureira para Paris, ou melhor, para o mundo.

Paris, 01/09/05

domingo, 22 de março de 2009

Gênova 2001 - Post Scriptum: Escola Diaz

Na manhã da segunda 16 de março, dia da publicação de Gênova 2001 , o texto anterior a este, eu viajara para Bruxelas, onde assistiria a um congresso. Durante os 82 minutos que o T.G.V. leva para cobrir os 300 km que separam Paris-Nord de Bruxelles-Midi, eu trabalhara novamente o texto e o deixara quase pronto para publicá-lo mais tarde.

Sabia que no local do congresso haveria acesso à internet, mas não conseguiria publicar o texto durante o dia, que fora longo e cansativo. O trem partira às 8 da manhã de Paris, e eu deixara o centro de convenções em Bruxelas às 8 da noite. A solução seria publicar o texto à noite, mas eu já estava atrasado para um jantar com Giuliano e Laure, amigos queridos que haviam me recebido um mês antes. Era o único momento para vê-los, já que voltaria no dia seguinte para Paris, diretamente do congresso.

Depois de 40 minutos de metrô, chego finalmente na casa dos meus amigos, quase às 9 da noite. O reencontro entre um brasileiro e um italiano que não se viam há um mês produziu uma torrente de palavras de ambas as partes que ia muito além da capacidade humana de compreensão. Cacofonia e caos totais. Foram necessários alguns minutos para percebermos que não estávamos entendendo nada do que o outro dizia, concentrados que estávamos na necessidade vital de expressarmos, em 5 minutos, todos os acontecimentos das últimas semanas.

Finalmente as interrupções recíprocas diminuíram e conseguimos nos comunicar. Falei sobre o espetáculo Gênes 01, baseado no texto de Fausto Paravidino, que eu assistira alguns dias antes na região de Paris, tema do post no qual eu trabalhara no final de semana e no T.G.V., e que eu deveria publicar em no máximo 3 horas, caso não quisesse perder o prazo limite de segunda-feira (o Contramão surgiu em dezembro de 2008, com um texto semanal, sempre às segundas-feiras).

Mal eu começara a falar sobre o espetáculo e Giuliano me interrompeu de novo para contar que ele havia estado em Gênova em julho de 2001, partindo em seguida buscar as fotos que ele fizera na ocasião. Depois da Butte-aux-Cailles, “coincidência”em Bruxelas.

Ao chegarmos no restaurante, Giuliano começou a contar com detalhes a sua história. Quando ele chegara em Gênova no final do primeiro dia de conflitos, ele se depararia com um clima bizarro, estranho. Algo fora do normal havia acontecido, mas ele não sabia o que, pois havia feito o trajeto de carro, sem rádio, e não ficara sabendo dos acontecimentos que culminariam na morte de Carlo Giuliani. Ao procurar explicações para o clima de guerra, Giuliano conheceu um morador da cidade, que ofereceu hospedagem. Caso contrário, ele teria ido acampar na Escola Diaz, e talvez fosse mais um dos espancados pela polícia.

Giuliano me contou então sobre o massacre da Escola Diaz, um dos episódios que mais me chocara na peça. No momento em que dezenas de policiais invadiram a escola para massacrar os manifestantes que lá estavam acampados, Giuliano estava por acaso em um bar próximo. Durante o massacre, ninguém entrava e ninguém saía da escola. Duas horas de terror. Giuliano contou que algumas pessoas entraram no bar, desesperadas e impotentes, pedindo socorro pelos massacradros. O clima ficou tão tenso e pesado que o dono do bar local fechou as portas do local para impedir que as pessoas saíssem e entrassem em conflito com a polícia.

Giuliano falaria mais tarde com algumas pessoas que estavam ao redor da escola, que ouviram, sem poder fazer nada, os gritos de terror que vinham de dentro, e que viram, chocadas, a centena de feridos saindo, 30 dos quais de maca, alguns cobertos, como se fossem cadáveres.

Giuliano contou ainda que, ao assistir mais tarde as informações transmitidas pela televisão sobre os acontecimentos do dia, teve impressão de que estavam falando de um outro planeta, tal era a distância entre a versão dos fatos e que estava realmente acontecendo.

Terminamos o jantar e as histórias. Fomos para casa, exaustos após um dia longo de trabalho, e com um gosto de revolta e impotência na boca por causa de Gênova. Chegamos em casa alguns minutos antes da meia-noite. O texto longo e com erros de ortografia e gramática precisava de um trabalho de revisão que demandaria um tempo superior aos poucos minutos que me restavam para que fosse publicado dentro do prazo de segunda-feira. Optei em publicar o texto mesmo assim.

Além disso, os fatos que Giuliano havia acabado de relatar precisariam ser publicados, juntamente com algumas de suas fotos. Surgia assim a idéia do post de hoje, um post scriptum ao texto daquele dia 16.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Gênova 2001

Gênes 01. Espetáculo teatral que descreve a violentíssima repressão feita pelo Estado italiano aos manifestantes presentes na cidade de Gênova em julho de 2001, durante a cúpula do G-8. A peça, que me chocou fortemente, resgata o episódio durante o qual Carlo Giuliani, de apenas 23 anos, foi morto pela polícia, que deixou também centenas de pessoas feridas, muitas gravemente. Traz também informações que não lembro de ter visto na mídia, o que não me surpreende, ao contrário.

Foram apenas três apresentações na região parisiense, todas em Blanc-Mesnil (Seine Saint-Denis, o temido "neuf trois"). Apesar de estar com uma ótima ocupação, o espetáculo merecia lotação completa. Infelizmente, parte do público potencial deixou de vir pelo fato do teatro ser fora de Paris, ainda que não longe. Por exemplo, da Cité Internationale Universitaire de Paris, leva-se apenas 40 minutos de porta à porta até o espaço cultural Le Forum, onde fica o teatro, que fica está a 10 minutos a pé da Gare de Drancy, a estação de trem mais próxima, toda em estilo Art Déco e a apenas 20 minutos da estação Paris Nord.

A peça é particularmente recomendável aos que se interessam por direitos humanos ou pela capacidade da mídia em distorcer ou ocultar certos fatos. Confesso que desconhecia vários acontecimentos do episódio de Gênova, por exemplo, que centenas de lugares da prisão da cidade foram criados um pouco antes do encontro, com o deslocamento dos presos para outras cadeias próximas. Da mesma forma, os hospitais foram preparados previamente para receber um número maior de pessoas que o habitual...

A peça também confronta as diferentes versões dadas pela responsabilidade à morte do rapaz, e narra dois episódios fortíssimos de tortura. O primeiro, a invasão de uma escola onde estavam alojados 400 manifestantes, dos quais 30 saíram de maca. O objetivo da ação policial era a recuperação de tudo que fora filmado ou fotografado do conflito pelos manifestantes. Foram duas horas de espancamento, ouvido de fora da escola. O segundo episódio de tortura foi pior, pois durou vários dias, dentro da prisão, sem testemunhas. Apenas o depoimento dos manifestantes presos e torturados na cadeia.

O espetáculo se encerra justamente com a leitura de parte destes depoimentos. Os algozes batiam e torturavam, e isto muitas vezes entoavando hinos nazistas. Além da tortura, eu desconhecia a premeditação, a suspensão de leis constitucionais, o isolamento de uma parte da cidade, manifestantes violentos que na verdade eram agentes da polícia ou estavam em conivência com esta, entre outros fatos.

A montagem do espetáculo usa vários recursos multimídia, sobretudo projeções de vídeo com cenas do conflito. Os 5 atores, ótimos por sinal, usam um texto que, ao mesmo tempo em que conta a história, mostra como a mídia conseguiu amenizar, esconder ou distorcer os fatos. O pior do episódio de Gênova ao meu ver, além da tortura, foi a premeditação em gerar um conflito violento. Com um mapa da cidade projetado no telão, os atores explicam como a passeata de sábado, que até então era pacífica, foi literalmente encurralada. A unica possibilidade para os manifestantes era seguir adiante. O trajeto fora escolhido pela polícia, que surpreendeu os manifestantes ao barrar a única passagem da passeata. E isto para provocar o conflito.

Imaginem um público saindo de um Maracanã lotado, passando pelas ruas de Olinda. Imaginem que esta multidão está em uma parte da cidade em que a única passagem é sempre avante, e que de repente esta única passagem fosse bloqueada por policiais armados para um combate de guerra e ainda por cima lançando gás lacrimogênio? Foi exatamente o que aconteceu e o que gerou uma onda de reações violentas por parte dos manifestantes em Gênova.

As pessoas à frente da manifestação não tinham para onde correr do gás, a não ser que a longa fila de centenas de milhares de pessoas que vinha atrás fizesse meia volta volver. Mas como? Impossível! Os que se encontravam mais para trás da passeata e não estavam sob o efeito do gás, e por isso se deram conta da premeditação da polícia, se revoltaram e reagiram. A polícia não podia recuar pois estava no local exatamente para bloquear a passagem, para punir, para bater, para reprimir duramente. Senão, ela não teria se posicionado onde se posicionou. Pior, a polícia botava lenha na fogueira, recuando e avançando, deixando a massa vir, para em seguida contra-atacar!

O espaço cultural Le Forum, é bonito e tem ótima infraestrutura, com destaque para o teatro. Esteve presente dando apoio um jornal de bairro chamado Vu d'Ici, muito bem feito por sinal, criado após as revoltas de 2005 na França, cujo centro fora exatamente na região onde estava sendo passado o espetáculo. Nada mais natural que o jornal apoiar a cultura, uma foma de mitigar os problemas sociais que estão por trás dos acontecimentos de 2005, que tiveram um outro ponto em comum com Gênova 2001: as informações veiculadas na mídia muitas vezes não condisseram com os verdadeiros fatos por trás do episódio.

Nas fileiras da frente e de trás à minha, vários jovens, certamente moradores do local, convidados explicitamente por isso, entre os quais possivelmente alguns protagonistas das revoltas de 2005. Enquanto eu chorava ouvindo as cenas de tortura, alguns destes jovens comentavam em alta voz a dureza daquelas cenas. Mas isto de forma um tanto o quanto blasé, muitas vezes até com risos ou ironia, revelando que muitos deles já estavam completamente endurecidos pela vida.

O primeiro dia da peça terminou com um debate entre o público, um sociólogo francês e o diretor da peça, que também atua. O sociólogo, ao citar o episódio da tortura do colégio, também explicou os motivos: a recuperação das imagens pela polícia, lembrando que hoje em dia é muito fácil de se registrar um evento com aparelho de telefone para em seguida, se divulgar as imagens pela internet. Destacou ainda que, por este motivo, a internet, simbolo maior da globalização, teria um papel positivo, no qual residiria, paradoxalmente, parte da força dos "no-global", como foram rotulados os manifestantes de Gênova.

Mas antes de chegar ao teatro, entre este e a gare de Drancy, sentado no último banco do lado direito de um ônibus, vejo passar pela calçada, a menos de um metro de mim, um casal de policiais, indo na mesma direção do ônibus, que seguia em baixa velocidade. A mulher estava com uma arma cujo calibre eu nunca tinha visto antes ao vivo, algo como uma espingarda prima-irmã da bazuca. Andava olhando para a frente, conversando com o outro policial, rindo, de forma displicente. Levava a arma no colo, como se fosse um bebê, apoiada nos dois antebraços, a parte da frente caindo para o lado esquerdo. E assim, em um dado momento, me surpreendo ao ver um canhão apontado para minha cabeça. A policial, sem nem sequer perceber, segue rindo, conversando. Penso num eventual acidente e no absurdo da situação. Comento com meu amigo, que vira a cena também. O ônibus para, os policiais nos alcançam e a cena se repete. Não sei se rio, se choro, ou se desço para dar uma bronca na policial. Melhor não, senão seria garde à vue na certa. Saco o celular para tirar uma foto. Tarde demais, o ônibus acelera. Perco o momento. Depois mais tarde, durante o debate, faço a associação entre esta cena e as palavras do sociólogo sobre as fotos de celular e o papel da internet que ouviria algumas horas depois.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Cité Internationale Universitaire de Paris

Se Paris fosse um relógio, a Cité Internationale Universitaire de Paris, seria o número 6. Esta imagem reflete não apenas a localização geográfica da CIUP, mas também dá uma boa ideia da sua dimensão. A Cité representa uma das mais importantes áreas verdes de Paris intra muros, juntamente com os Jardins de Luxembourg e de Tuilleries e com os parques Butte Chaumont e Montsouris.

Aliás, a CIUP fica bem em frente a este último. Uma verdadeira cidade dentro da cidade, com capacidade para hospedar mais de 5.000 estudantes de praticamente todos os cantos do planeta. Muito bem equipada com dois teatros, piscina, campos de futebol e de rugby, quadras de tênis, restaurantes, banco, correio, entre outros, a Cité é, além de tudo, um lugar belíssimo não apenas por causa do espaço verde, mas também do seu patrimônio arquitetônico.

A CIUP foi uma ideia de Émile Deutsch de la Meurthe, um industrial francês, executada por André Honnorat, Ministro da Instrução Pública. O objetivo era de mitigar o problema de moradia de jovens estudantes em Paris e, ao mesmo tempo, promover uma paz universal e fraternal, ao reunir jovens de praticamente o mundo todo em um só lugar. A convivência entre estudantes de diversas culturas, que futuramente ocupariam cargos políticos e econômicos de destaque, ajudaria na mútua compreensão das diferenças em prol de uma paz mundial.

Em meados de 1925 a Cité abriu suas portas para os primeiros estudantes , que hoje hospedam-se em 40 prédios, entre os quais a Maison du Brésil, com um belíssimo projeto de Lúcio Costa e Le Corbusier. Por lá já passaram vários brasileiros que posteriormente se tornariam figuras proeminentes.
A Casa do Brasil completa 50 anos neste ano de 2009, depois de ter sido classificada como monumento histórico pelo Ministério da Cultura francês. A Casa foi inteiramente renovada em 2000 graças a esforços de algumas instituições, como a CAPES, e de algumas pessoas, como a atual diretora da Casa, Inez Machado Salim, que também teve um papel fundamental para bloquear a tentativa de anexação da Casa à Fundação Nacional da Cité International Universitaire de Paris, que administra a Cité e as cerca de 20 casas anexadas.

A anexação da Casa do Brasil teria sido desastrosa por vários motivos. Os estudantes brasileiros por exemplo teriam muito menos chances de residir na Cité, já que as 100 vagas da Casa que hoje são destinadas exclusivamente a estes teriam sido colocadas à disposição dos estudantes do mundo todo.

Morar na Cité U foi para mim uma experiência fantástica, e tenho certeza de que esta opinião é compartilhada por todos aqueles que por lá passaram.

segunda-feira, 2 de março de 2009

"Coincidência" na Butte-aux-Cailles

Sexta-feira. Jantar com amigos na Butte-aux-Cailles, mais precisamente no Chez Gladines, lotado, para variar. Chegamos logo na abertura e pegamos a última mesa. Senão teríamos que esperar uma hora até o próximo serviço, o que pode até ser agradável, se não estivermos com pressa, pois temos a impressão de estar no Baixo Gávea, no Rio. Porém como estávamos com fome, termos chegado cedo foi providencial.

Depois da boa comida, do bom vinho e da simpatia tradicionais, sugeri tomarmos um digestif em um bar vizinho. Leandro, déjà habitué, e Rama, que estava conhecendo pela primeira vez a Butte-aux-Cailles, apesar de ser o mais antigo na cidade, toparam na hora.

Ao sairmos do Chez Gladines, a calçada já estava tomada pelos que aguardavam sua vez. Hesitamos em ficar, pois o ambiente estava agradável (para bom entendedor...). Mas finalmente fomos ao Le Merle Moqueur, que também estava ótimo, a despeito do telão transmitindo um jogo de rugby, o que me surpreendeu, pois não combina de forma alguma com o local.

Como sempre faço quando há um "novato" na área, falo da relação entre o nome do bar com o restaurante que fica bem em frente, Le Temps des Cerises, e com um outro bar também próximo, La Folie en Tête, todos situados no quartier da Butte-aux-Cailles. Falo da relação entre esta parte da cidade e a Commune de Paris, de Louise Michel e da música Le Temps de Cerises, que tem várias versões, a última feita pelo grupo de rock francês Noir Désir (para mais detalhes ver o primeiro post deste blog).

Neste exato momento, Rama recebe uma mensagem e descobre que duas amigas suas estão na Butte-aux-Cailles, cuja dimensão, para se ter uma idéia, equivale a menos de dois quarteirões de Ipanema. Ele liga para combinamos de juntarmos os dois grupos, e descobre que elas estão justamente no La Folie en Tête, o outro bar do qual eu acabara de falar a respeito. Ficamos de nos encontrar lá ou cá.

Terminamos nosso rum e fomos ao encontro do outro grupo. Dois minutos de caminhada e lá estamos. Rama nos apresenta à Wanda, que nos apresenta ao Jaques e à Mônica que, reparando meu sotaque característico, pergunta:

-Você é do Rio, não?
-Sim, meus pais são de São Paulo, mas nasci e fui criado no Rio.
-Você não é o amigo do Tatá, do Henrique e do Luís?

Eu mesmo. Ela disse ainda que tinha escrito para o Tatá um dia antes para pegar meus telefones com ele para combinarmos um encontro. Incrível! Mais uma simpática "coincidência" para a minha lista, que já vai grande. E a mesa de bar entre brasileiros, juntamente com a saudade, me transportam mais uma vez ao Baixo Gávea.