domingo, 27 de junho de 2010

Ipanema e Leblon


Era obcecado não apenas pelo universo, mas também pelo oceano que, apesar de finito, não deixa de ter seus recantos indecifráveis e inacessíveis. Oceano que, perto da plataforma continental, torna-se mar. Mar que trouxe sal à sua vida.

Ipanema.

Natação no clube desde moleque. À medida que a criança cresce, o mar torna-se um amigo cada vez menos reticente e vai abrindo aos poucos as portas da sua casa. Quanto mais ousada a criança, mais intimidade ela ganha.

8 anos. Uma primeira experiência solitária na arrebentação (pais muito relaxados, confiantes ou negligentes - felizmente) com prancha de isopor, e um primeiro caldo que faria chorar qualquer criança. Algumas ficariam traumatizadas, mas para outras, o prazer da primeira onda surfada seria tão fantástico que anularia a dor física, o medo e as lágrimas causadas pela asfixia do caldo e pagaria a pena do bis repetita.

11 anos. Não há asfixia. Não há dor. Mas o medo é triplicado, como o tamanho das ondas e a força do mar. Estar no lugar errado no momento errado, nestas circunstâncias, poderia significar um caldo mais do que apenas traumático. A criança começa a ter, de forma muito superficial, noção da fugacidade da sua vida. Ao mesmo tempo, fortalece sua relação com o mar. Troca, aos poucos, o medo pelo respeito - o que, por sua vez, abre portas de corredores cada vez mais longos. Quando a criança percebe, já está na sala de estar – com um misto de ousadia, respeito e admiração.

Adolescência. Tendo o privilégio de morar perto do seu amigo mar, e vai visitá-lo todo dia, faça chuva ou faça sol. A escola não é problema. Ao contrário, pois nela ele conhece outras ex-crianças com pais relaxados-confiantes-negligentes, e que tiveram mais fissura do que medo de repetir a experiência aterrorizante.

Troca de experiências com os colegas de turma. Novas praias. Canais. Pedras. Ressacas. Aventuras cada vez mais arriscadas. O adolescente é imortal e não percebe que às vezes o risco é maior do que suas competências, e que pode ser até fatal. Tem sorte. Muita. Santo forte.

Leblon.

17 anos. Ressaca no Pontão. A maré muito alta impossibilita o mergulho pelo píer (técnica aprendida com um colega de escola, que depois se tornaria um irmão. Companheiro não só de ondas, mas também de letras. A descoberta desta segunda afinidade, tão marcante quanto à primeira, fora regada por chope gelado e carne seca acebolada com farofa, azeite e pimenta no Jobi, alguns anos depois, mas a apenas alguns poucos quarteirões de distância)

O jovem pensa estar preparado física, psicológica e tecnicamente para, sozinho, ir visitar o mar em um dos seus cômodos mais recatados. Ondas perfeitas. Pouquíssimos surfistas na arrebentação. Não havia confronto nem enfrentamento. Tratava-se apenas de uma visita – ou melhor, uma tentativa.

Com o coração a mil, ele não percebe o banho que alguns incautos expectadores levam da onda que bate na calçada. A vontade de pegar as ondas, alimentada pela vaidade despertada pela platéia que lota o calçadão e o mirante para olhar a ressaca, são maiores que o medo e o bom senso. No instante seguinte, aproveita a calmaria (a onda que molhou boa parte dos incautos observadores era a última da série) e desce rapidamente as escadas para entrar no refluxo da mesma onda e aproveitar sua força para percorrer os mais de 150 metros que o separavam do ponto onde as ondas perfeitas estavam quebrando.

Entre o concreto das escadas e as pedras do píer, mergulha com sua prancha no mar. A profundidade no local do mergulho é de poucos centímetros e o mergulho tem que ser preciso para não que a quilha da prancha não quebre. A técnica de seguir o refluxo pelo canal ajuda. Rapidamente ele está na altura do fim do píer, na metade do caminho, mas ainda muito longe do seu objetivo: ultrapassar a zona de impacto, onde as ondas de quase 3 metros quebravam com uma força, frequência e estrondo assustadores.

No estreito canal formado ao longo do píer, algumas pedras são aparentes. O adolescente rema furiosamente na direção do mar aberto. Após alguns minutos sem conseguir avançar percebe que, apesar do seu bom preparo físico (sessões quase diárias de surfe e de natação, corrida na areia fofa, etc.), ele não tem força para cruzar a arrebentação. A sensação de alívio trazida por essa simples constatação é maior do que a frustração de não poder surfar as ondas perfeitas. Alguns anos mais tarde, o adolescente se daria conta que a barra estava literalmente muito pesada e, que ele estava sem o equipamento necessário. E o mar, sábio amigo, fechara as portas com o simples objetivo de preservar a amizade.

domingo, 20 de junho de 2010

O nada por fronteira


O infinito sempre o obcecou. Não os conceitos matemáticos, tais como as dízimas ou os limites tendendo ao infinito. Estes não lhe causam problemas. Mas o universo e suas fronteiras, estes sim, vêm lhe angustiando. Sua mente não tem o poder de abstração suficiente para considerar a existência ou a inexistência de limites ao espaço sideral. Qualquer tentativa de imaginar uma eventual circunscrição do universo lhe traz um mal estar físico esquisito, difícil de descrever, como um fluido gelado percorrendo de alto a baixo o interior da coluna, somado a uma sensação de vazio no estômago, como se houvesse sido engolido o próprio universo, cuja ausência de limites vem sendo traduzida, de forma consciente ou não, em seu alucinado comportamento.

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Sobre os Cariocas e a Lua


Reza a lenda que no Rio de Janeiro, as pessoas não trabalham nem estudam, vivem na praia e adoram a lua. Dizem ainda que um destes cariocas, em um destes dias (de aula, claro), depois de uma sessão de surfe em Ipanema, que se estendera até depois do sol se pôr atrás dos Dois Irmãos, viu, aos 13 anos, e pela primeira vez em sua vida, a lua nascer cheia e vermelha,do mar, entre o Arpoador e a ilha do farol.

Um misterioso clarão vermelho antecedera o espetáculo e chamara sua atenção. Seria um incêndio em algum barco? Logo depois, a lua cheia, nascendo vermelha de um horizonte sem nebulosidade alguma, totalmente límpido, esclareceu o mistério.


Desde então, dizem, o garoto entrou em estado de choque admirativo profundo e eterno.


Passou então a procurar, obsessivamente, a repetição daquela cena tatuada em sua mente, que ele sempre tentou descrever, mas que nunca conseguiu fazê-lo com justeza.


Como bom carioca, não trabalha e passa o dia inteiro na praia. De tanto observar a lua, começou a entender um pouco seus mecanismos, sem nunca ter estudado nada a respeito, pois para os cariocas estudar na praia é um sacrilégio ainda maior do que apenas estudar.


A primeira coisa que ele descobriu com suas observações foi que, na medida em que a lua vai subindo, ela perde sua tonalidade de vermelho, passando pelo laranja e pelo amarelo antes de chegar ao branco.


Depois, percebeu também que a lua nasce sempre cerca de 50 minutos mais tarde em relação ao dia anterior, e que nos dias de lua cheia, sempre em torno das 18 horas, sem horário de verão (detalhe importante, pois fora no verão que ele vira a primeira e fatídica lua vermelha).


Reza a lenda ainda que este carioca teria se desvirtuado e passado quase dois meses em São Paulo. Dizem que ficou um pouco frustrado, quando em um dia de agosto de 2006, depois de 5 dias sem nuvens, ele viu, logo no começo da tarde, surgirem no céu as nuvens que o impediriam de aproveitar a vista privilegiada da Serra da Canteira para ver a lua nascer cheia e vermelha do horizonte.


Ela nasceu na direçao e no horário esperados, mas como ele previra, a nebulosidade impediu a lua de se mostrar vermelha. Antes de se descortinar, um clarão por trás das nuvens anunciara, por alguns minutos, sua vinda. E quando, por de trás das mesmas nuvens, por volta das 18h30, ela finalmente mostrou seu sorriso, já estava amarelada. Pouco depois, ficou branca de vez. O espetáculo foi bonito mesmo assim e atenuou um pouco sua frustração de ter perdido uma lua vermelha



Reza a lenda que nos dias de lua cheia este carioca pode ser visto perambulando no final de tarde em Ipanema com um olhar fixo no horizonte.