quinta-feira, 9 de junho de 2011

Une Vraie Histoire


Cumprimentou o gardien que, ajoelhado, lustrava o batente de metal dourado da porta de entrada. Ao passar por ele, sentiu o cheiro rançoso do suor não lavado do corpo. Subiu os três lances de escada e, para sua estupefação, o odor o perseguia. Pensou em subir os 3 andares restantes, por curiosidade, apenas para testar o alcance daquele cecê. Estava, porém, atrasado, e deixou de lado a peculiar idéia. Abriu a porta do deux pièces que lhe fora emprestado gentilmente pelo seu amigo - que estava na Suíça, trabalhando na tradução do La Disparition, de Georges Perec - pegou o telefone celular esquecido e desceu, mas desta vez com a mão tampando devidamente as narinas.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Verde que te quero abaixo


Ele vivia em um país que dispunha da maior reserva de água doce do planeta, protegida em grande parte pelas suas exuberantes florestas, com incrível biodiversidade. No entanto, naquele país estranho, governantes jurássicos não conseguiam ver que a única saída óbvia não apenas para seu povo, mas para toda a humanidade, era a conciliação da preservação do meio ambiente com o desenvolvimento. Mas para aqueles homens, que aliás eram remunerados com recursos públicos e que tinham como dever único e exclusivo representar o interesse daquele povo, o meio ambiente era apenas um entrave ao desenvolvimento. Visão tosca que ignorava a importância das florestas para a regulação do clima e dos recursos hídricos, tão importantes para as práticas agrícolas que aqueles estranhos homens defendiam a qualquer preço, como se essas práticas fossem incompatíveis com a preservação das florestas, e não totalmente dependente delas, como de fato são ...

Para boa parte dos políticos daquele patropi, os ambientalistas eram entreguistas ou inocentes úteis.

Naquele país, os defensores mais radicais do meio ambiente eram assassinados impunemente...

Bizarro país.

sábado, 14 de maio de 2011

La Clope


Suas primeiras lembranças foram as de um campo. A vista, apesar de se repetir monotonamente a cada dia, era bela. Durante anos seria o tempo - tanto o clima quanto o decorrer das horas – quem traria as sutis e únicas variações na paisagem. Veria noites de lua nova e de absoluta escuridão em que o céu era pontilhado por diamantes, e também pores do sol esplendorosos, mas foi o nascer da lua cheia vermelha que o marcaria profundamente. Ante a esse espetáculo, sempre perdia o fôlego, problema que, mesmo sem saber, viria a causar nos outros em um futuro próximo.


A paisagem se repetiria até que um dia ele ouviria um barulho estranho, que destoava do silêncio até então perene daquele local, e que foi aumentando até culminar no desaparecimento total da luz. Não mais estava estático: o movimento e o trepidar eram sensações nítidas, a despeito de nunca tê-las experimentado antes. Em certo momento, essas sensações parariam por alguns minutos, antes de se transformarem em uma rápida e intensa queda, seguida de uma nova sensação de movimento, esta mais suave e mais longa. Após nova parada, a luz surgiria novamente, mas com ela viria o caos total: quedas freqüentes e abruptas e um barulho ensurdecedor durante algumas horas. Depois, logo antes da luz sumir novamente, viria uma estranha sensação de compressão, que nunca mais o deixaria até o fatal momento.

Sentiria novamente, e por repetidas vezes, as sensações de movimento suave e de queda abrupta, sempre na escuridão. Por fim, voltaria a sentir a sensação seminal de estar parado em um mesmo lugar, e as lembranças dos primórdios da sua existência lhe seriam agradáveis por um lado, mas fariam com que a ausência de luz lhe fosse insuportavelmente triste.

Um dia, depois de longo tempo parado, voltaria a sentir a sensação de movimento, porém diferente de tudo o que sentira até então. Logo viria a luz, descortinando uma paisagem estranha e inédita: um ambiente enfumaçado, cercado de espelhos e garrafas, onde vozes e música se misturavam num coquetel inaudível.

Subitamente, uma sensação agradável de calor o preencheu de um êxtase nunca antes sentido. Ouviu um suspiro, e suspirou também. Em seguida, flutuou por alguns instantes até tudo se acabar.

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"La Clope" ou "um outro ponto de vista para Inês"

"olhando ao nada, bateu a cinza do cigarro no chão e suspirou.

que merda…”

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Construção de um Personagem: Ela


Retardatário por causa de um longo dia de trabalho, juntei-me, finalmente, ao grupo que já estava na pizzaria, a tempo de escutar sua reclamação sobre a impossibilidade de fumar, apesar de o lugar ser aberto. Sua queixa não fazia o menor sentido, pois além de ela ser frequentadora assídua do restaurante, já fazia certo tempo que a lei coibindo o fumo havia sido aprovada. Estranhei ainda mais quando soube, no decorrer da acalorada exposição de argumentos a favor do seu direito de fumar na varanda, que ela estava sem cigarro...

Seguiu-se o jantar com as comandas, que tiveram que ser refeitas uma vez, pois ela fazia questão de controlar os pedidos da sua irmã e da sua sobrinha, por ela convidadas. Com os pratos já na mesa, ela mudou de idéia e resolveu dividir a lasanha à bolonhesa comandada pela irmã, mas não sem antes demonstrar toda sua sensibilidade e sutileza ao chamar de boi ralado o ingrediente principal do célebre ragú italiano.

Provou da lazanha mas não gostou e devolveu ao prato da irmã a porção da qual havia se servido. Fez questão de reclamar com o garçom da falta de massa na lazanha, mostrando-lhe o cardápio onde a presença da massa era garantida. O volume da sua voz era alto. Sem graça, eu não soube para onde olhar quando a bela dona do restaurante, que estava na mesa do lado, virou-se em nossa direção, curiosa para ver quem fazia tão exdrúxula reclamação. Em seguida o garçom retornaria da cozinha, onde tinha ido, a pedido dela, levar a reclamação ao chef, que garantiu que sim, a lazanha continha uma fina camada de massa. Mesmo assim, ela pareceu não acreditar, o que não chegou a me surpreender pois, de fato, coisas finas parecem não fazer parte do seu universo.

Em seguida, contou algumas histórias sobre suas aulas de dança de salão, frequentadas por ela e pela irmã , que incitou a conversa ao explicar que havia deixado de ir às aulas por conta por das frequentes discussões entre alunos e professor. Entre os episódios por ela narrados, me marcou a cena em que ela levou uma pisada no pé do seu par, por sinal, o professor. Machucada e revoltada, tentou de imediato o "justo" revide. Seu par evitara habilmente o golpe, porém novas tentativas se seguiram e ela finalmente conseguiu revidar a pisada. Ao lembrar dos saltos altos e finos que ela usava senti profunda pena do professor, mesmo sem conhecê-lo pessoalmente.

Por fim, sacou o leque de problemas familiares, numerosos e complicadíssimos, e sempre em tom desnecessariamente alto, disse que não levava para casa desaforo de ninguém, apenas de quem a sustentava, que, por sinal, estava ao seu lado na mesa.

O jantar terminara. Exausto e sem a mesma paciência que ele, despedi-me de todos. Não tive a oportunidade de olhar em seus olhos para ver ela estava usando as lentes de contato azuis, que juntas à tinta loura dos cabelos e às próteses de silicone compunham seu estilo fake. Isso, porém, já não mais importava, pois naquele momento, o alívio da partida era a única coisa que passava pela minha cabeça.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

sábado, 2 de abril de 2011

Bueiros pipoca e a energia nuclear no Brasil


Estava estarrecido. Perguntava-se, de forma cada vez mais freqüente, se seria mesmo tão maravilhosa sua cidade natal, na qual a vida seguia entre bueiros que estouravam como pipoca, ferindo moradores e turistas, e entre as sentenças de morte que os próprios policiais julgavam e executavam sumariamente, sem recurso nem dó.

Pensou na belíssima Angra dos Reis, densamente povoada, onde foram instalados dois reatores nucleares durante o vergonhoso regime militar. Pensou na vulnerabilidade do país e daquela região especificamente, e nos impactos dos desastres naturais amplificados pelas falhas crônicas das instituições do seu querido patropi. Pensou no recente e gravíssimo acidente do Japão. Pensou na questão da transparência das informações em caso de acidente, e lembrou-se dos policiais que, em plena democracia, ainda torturavam e executavam, herança do regime militar, tal qual os reatores. Comparou a eficiência das instituições brasileiras e japonesas, lembrou-se dos bueiros explodindo como pipoca, dos incêndios recentes causados por um simples mal uso de maçaricos - mas que estragaram o carnaval de três escolas de samba e destruíram boa parte de um monumento histórico, onde ele por sinal havia feito seus estudos. Subitamente teve medo e repulsa por Angra 1 e 2 e desejou, com todas suas forças, que desistissem imediatamente daquela loucura chamada Angra 3.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Tião, Aldo e Oscar


Conheci Tião ano passado, lá mesmo em Gramacho. Foi uma oportunidade trazida por meu grande amigo Aldo, que havia desenvolvido com o catador um importante laço graças ao seu trabalho na Secretaria de Direitos Humanos e, em particular, a uma lei por ele concebida e que obrigava as empresas estatais a destinaram aos catadores todo o material descartado porém passível de ser reciclado. Foi enorme o benefício trazido pela lei e Aldão, que ficou com um baita cartaz junto àquela categoria, fez bons amigos, entre os quais Tião.

Abre parênteses: desde 1999 eu vinha estudando a questão do aproveitamento energético do lixo através do uso do biogás como combustível. Também vinha olhando a economia de energia – e, por conseguinte, as emissões evitadas de gases de efeito estufa – em decorrência do processo de reciclagem de alguns materiais como vidro, alumínio, papel e plástico. Em 2001 o CentroClima, centro de pesquisa do qual eu fazia parte na COPPE/UFRJ, elaborou um projeto piloto, baseado em Gramacho, que tinha como objetivo produzir uma pequena quantidade de eletricidade renovável, usando como combustível o biogás produzido naturalmente pelo próprio aterro. Ademais, o projeto previa a plantação de mamona, também no aterro, com o duplo objetivo de recuperar parcialmente a área e de gerar matéria prima para a produção de biodiesel, que seria o segundo combustível renovável a ser utilizado para geração de eletricidade. Muito interessante na teoria, o projeto avançou na prática até certo ponto, mas não deslanchou por motivos que não cabem aqui detalhar. Fecha parênteses.

Eu havia voltado ao Brasil há poucas semanas, após 8 longos anos na Europa. Estava no Rio com Aldo quando ele comentou que iria participar de uma reunião em Gramacho entre funcionários do INEA e lideranças dos catadores. Não hesitei e me convidei no mesmo instante. Aldo aceitou, também de bate-pronto.

Participei como ouvinte da reunião e achei bastante interessante o encontro, que tinha como objetivo, entre outras coisas, organizar um encontro estadual da categoria, se não me falha a memória. Fiquei especialmente impressionado com um jovem muito articulado e carismático, e também com sua história de vida, que fluía na medida em que eu fazia perguntas durante as pausas da reunião.

Tenho admiração por pessoas que conseguem não ser esmagadas pela vida a despeito da falta de oportunidades e da desigualdade de condições. Esta admiração é ainda maior quando estas pessoas conseguem algum tipo de destaque. Tião, quando criança, trabalhava com a mãe. Eram catadores de material reciclável em Gramacho. Ele “teve sorte” quando a entrada de crianças no aterro foi proibida, pois isso lhe permitiria fazer o que toda criança deve fazer: estudar ao invés de trabalhar, e Tião soube aproveitar esta oportunidade.

Como ele mesmo nos conta no documentário Lixo Extraordinário, no qual Vik Muniz, ao mesmo tempo em que se auto-promove, nos emociona ao transformar em arte a dura realidade dos catadores, Tião leu O Príncipe. O jovem líder achara no aterro, onde voltaria a trabalhar depois de atingida sua maioridade, um exemplar “chorumado” do clássico de Maquiavel. Sua curiosidade acerca do adjetivo maquiavélico, que ouvia falar com frequência, serviu de estímulo para que o livro fosse recolhido para ser devidamente lido depois.

Por ocasião do meu encontro com ele em Gramacho, Tião me contou que, na medida em que ele ia se politizando, as portas iam se abrindo. E que sua ida à primeira edição do Fórum Social Mundial em Porto Alegre, que reúne lideranças importantes de diversos grupos minoritários, faria com que ele tivesse outra dimensão da importância dos líderes, papel que ele foi assumindo naturalmente junto aos catadores.

O trabalho de Vik Muniz, que teve a sensibilidade para potencializar as virtudes do líder catador, trouxe a Tião uma grande exposição mediática, que culminou com sua ida a Londres para presenciar o leilão da sua própria imagem na Sotheby’s, e com sua participação na cerimônia de entrega do Oscar, ao qual o filme concorre na categoria de documentário.

Tião tem dado mostras de que quer dividir com seus companheiros os benefícios que estes acontecimentos vêm trazendo à sua vida, o que apesar de natural, é admirável. Torço para que o filme ganhe o Oscar. Torço, sobretudo, pelos catadores e por Tião, imagem legítima - e agora também cult - da categoria, que vem sendo representada com propriedade e sabedoria pelo jovem líder.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

O Mestre dos Contrastes

É sempre muito bom poder ir ao CCBB, seja apenas para tomar um café, seja para uma exposição. Neste segundo caso, difícil é ter tempo e principalmente estado de espírito para aproveitar o programa plenamente. Mas felizmente, de vez em quando, conseguimos reunir as condições ideais (ou mínimas) de temperatura e pressão.Foi meu caso no final da tarde de quarta passada, quando vi “O Mundo Mágico de Escher” , que fica até 27 de março no Rio.

Fui direto do escritório, que fica a apenas 5 minutos do local da exposição, e aos poucos fui me desconectando dos problemas nossos de cada dia. Apesar do tempo limitado e espremido por um compromisso em seguida, e a despeito de uma leve concorrência pelo espaço das galerias, deu para penetrar bem no universo do artista, graças não apenas a sua genialidade, mas também à curadoria excelente.

Entre as preciosas informações que ajudam a melhor percorrer o impressionante trabalho do grafista holandês, aprende-se que ele havia uma relação especial com o infinito. Isso é explicitado, por exemplo, em breve nota sobre “Menor e Menor”, cujos temas diminuem de fora para dentro (ou será que crescem no sentido inverso?).

E também sobre “Limite do Círculo (Céu e Inferno) IV”,

cujas figuras, inversamente às da gravura anterior, diminuem à medida que se caminha do centro para os limites exteriores do círculo, que paradoxalmente parecem não existir. Apesar dos temas geométricos diferentes, a relação entre os dois e o infinito é óbvia. Ainda que evidente, talvez esta relação passasse em branco (e preto) pelo consciente do expectador mais apressado que não lesse a preciosa informação. Mas dificilmente ela deixaria de reverberar no inconsciente de quem vê as figuras, ainda que en passant.

E foi exatamente o que aconteceu comigo. Após uma segunda exposição - esta sobre transporte sustentável no Centro Cultural dos Correios - e depois da terceira e última mudança de bar (portanto horas depois de ter visto as gravuras de Escher), a questão do infinito e do inconsciente não pode deixar de emergir do meu.

Aliás, eu já pensava muito no inconsciente como um universo, logo como algo infinito, apesar dele estar fisicamente circunscrito em nossa caixa craniana. Ou não!, talvez dissesse Caetano, inspirado por Jung, segundo quem nosso inconsciente estaria de certa forma conectado ao universo. Ou estarei escrevendo besteira? Pode ser, nunca li Jung, mais uma lacuna a ser preenchida, mas acho que vai por aí sua idéia de sincronicidade.

Naquele momento, em um insight a posteriori, percebi que “Menor e Menor” era, para mim, a imagem clara desse universo circunscrito no cérebro humano, que contrastava claramete com “Limite do Círculo”, para mim a nítida expressão da expansão do universo, como e onde quer que seja seu limite - ou sua ausência, o que é ainda mais angustiante. Ao pensar nesta falta de fronteiras, senti uma espécie de arrepio na coluna e de frio na barriga, que contrastaram com o calor infinito daquela noite na Praça XV.

Preto e branco, dentro e fora, finito e infinito me mostravam a maestria de Escher e de sua arte dos inversos e dos contrastes.

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Hoje Antônio Olavo Pereira, autor de Fio de Prumo, Marcoré e Contramão, completaria 98 anos de idade. Onde quer que ele esteja - próximo, quem sabe, aos limites do universo - estamos conectados.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Crônica de uma tragédia anunciada

Lembro-me claramente da segunda-feira 5 de abril de 2010. Estava com meu pai em uma pizzaria quando disse “essa chuva vai dar merda”. A constatação era óbvia. Não me lembrava de ter visto em toda minha vida uma chuva de tamanha intensidade. Durante aquela madrugada, em que dormi tranquilamente embalado pela chuva, centenas de pessoas perderiam suas vidas ou a de seus familiares. Outras dezenas de centenas veriam suas casas desabar ladeira abaixo literalmente e ficariam desabrigadas. No dia seguinte, as cidades do Rio e Niterói acordariam em estado de caos. Mais uma tragédia anunciada.

Na última terça-feira 11 de janeiro, também chovia bastante quando saltei do carro em frente à arena onde Amy Winehouse faria sua segunda apresentação no Rio e terceira no Brasil. Enquanto minha amiga estacionaria o carro, eu iria retirar os ingressos na bilheteria e ficar na fila. A chuva era intensa, fazendo funcionar a todo vapor seu comércio informal - no Rio, quando chove, sempre há um ambulante por perto oferecendo proteção, praticidade que revela de certa forma a precariedade social do país.

A excitação e a expectativa de ver ao vivo uma artista com o talento da Amy, aliadas a uma boa dose de egocentrismo natural do ser humano (muitas vezes exacerbado em alguns), impediram-me de pensar na identidade à qual os cidadãos fluminenses (eu inclusive) parecem ter se acomodado: chuva forte no Rio de Janeiro = tragédia.

Minha preocupação maior era achar guarda-chuvas para mim e para minha amiga (pois as capas reinavam absolutas), sem o que ficaríamos encharcados, encontrar o fim da fila que estava enorme, e reencontrar minha amiga, que fora estacionar o carro. Em momento algum, nem mesmo quando tivemos que colocar o pé na lama para chegar ao carro depois de terminado o show, pensei que mais uma tragédia estaria começando. E desta vez, a pior de todas elas. Total incapacidade de se colocar no lugar do outro. De pensar nos que moram em áreas de risco e que vivem um drama toda vez que chove.

Depois, quando caímos na real, graças à mídia, que não deixa de tirar seu quinhão e vai muito além do que deveria explorando literalmente a tragédia dos outros, vem a mobilização, a sensibilização. Claro, não podemos ficar insensíveis e devemos ser solidários, mas esse comportamento social esquizofrênico mais parece uma forma de expurgamos a nossa culpa do que um exercício de cidadania. E tasca colocar a culpa no governo. Como se não vivêssemos em uma democracia... Como se não fôssemos nós quem elegesse nossos representantes...

Fazemos nossas doações e nos sentimos melhor. No dia seguinte, voltamos para os shows e para o surfe, e esquecemos de que fazemos parte da sociedade e que é esta sociedade de fato a responsável.

Garimpando o pouco que presta do Globo, encontrei uma frase do Chico Alencar, por quem não tenho simpatia em especial, mas que não poderia resumir melhor o meu sentimento e, ao meu ver, nossa situação como cidadãos brasileiros e fluminenses em particular: " a comovente e episódica onda de solidariedade não tem se transformado em torrente cidadã permanente.”