quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

No Calor dos Suicídios

São Paulo capital. Hoje, porém, a garoa desta terra está longe. Refugio-me do sol e do calor no café mais próximo que, no entanto, não acredita ou não está preparado para a temperatura. Seus aparelhos de ar-condicionado não dão vazão, e a sensação térmica é desconfortável. Termino O Globo de uso comum dos clientes e ligo para confirmar a primeira reunião do dia. Em vão. Cancelada. Faço uma segunda tentativa para acertar a tarde de trabalho que ficara combinada uma semana antes. Recebo do meu interlocutor uma promessa de retorno em algumas horas. 

Decido mudar de café na esperança de encontrar uma temperatura melhor. Enfrento o sol que insiste em martelar as cabeças dos que se aventuram pelas ruas. Nada feito. Talvez seja um mau da cidade. Mesmo longe do ideal, o calor é um pouco menor que no café anterior, e resolvo ficar um pouco mais. Termino o Valor, almoço, leio algumas páginas do Brooklyn Follies do Paul Auster e pelo celular troco emails duros  com um membro da família que vem tentando se matar com um automóvel.

O tempo passa e percebo que o telefonema confirmando a tarde de trabalho não virá e que terei o tempo  livre. Final de ano é assim mesmo, sobretudo os dias entre o Natal e o Reveillon. Se estivesse no Rio, seria ótimo, mas aqui em pleno Itaim Bibi, sinceramente, eu preferiria estar trabalhando. 

Resolvo aproveitar a tarde para comprar um presente para um casal de amigos que irei visitar a noite. Já havia decidido dar uma das biografias do Graciliano para um, e o mesmo livro que estou lendo do Paul Auster para o outro, mas como bom carioca deixara a compra para a última hora. Vejo pelo Google que há uma livraria bacana não muito longe, a cerca de 800 metros de onde estou. O mapa me faz seguir a rua do café ( Jerônimo da Veiga) até a Faria Lima, que cruzo até a Jorge Coelho. Pelo mapa, a Rua Doutor Mario Ferraz já seria logo ali, mas chego na Araçari e me perco. Ao ampliar o mapa, vejo que na verdade a Mario Ferraz é uma paralela. Por acaso encontro um atalho por dentro de um estacionamento que vai de uma rua à outra.

Meu primo me liga para comentar uma tarde super agradável que passamos juntos alguns dias antes em família, com outros primos e tios de quem gosto muito. Prometemo-nos nos ver mais. Chego no local onde seria a livraria, como indicado pelas placas. Vejo apenas um café. As quatro  poltronas bergères me seduzem instantaneamente. Esqueço-me até do calor. Mas lembro-me da missão seminal e pergunto pela livraria. Mudou-se para o Shopping JK, me informa a balconista. Procuro saber se há outras por perto e, ante as opções que se apresentam, resolvo ir até o tão falado centro de compras. 

Vejo no mapa que estou próximo a Jacurici, onde minha avó materna morou por vários anos. Resolvo passar em frente. Vejo de longe os três prédios de cor ocre que por esta característica sempre se destacaram (eu os identificava facilmente mesmo do avião). Chego na frente do prédio. Não me lembrava que ele se chamava Taormina, e tampouco do número 129. Engraçado, o apartamento onde minha mãe mora hoje, e onde minha avó morou até morrer, fica a  1290 metros dali e também se chama Taormina - e o número é 127!). Ao ver o prédio e as áreas comuns a nostalgia se intensifica. Recordo-me das brincadeiras de criança durante as férias na áreas comuns que unem os três prédios e que formam um enorme play ground térreo. Lembro-me em particular do poliopticon que ganhara da minha mãe e da Copa de 82, cujos jogos eu vira naquele apartamento. Margeio o novo Parque do Povo que, na época, dava lugar a uma pista de bicicros à qual meus pais tinham a pachorra de me levar para me trazer de volta sempre todo enlameado ou ralado.

Chego no shopping e me impressiono com o luxo da arquitetura e das lojas, mesmo já tendo lido a respeito.   Sinto-me meio deslocado, mas a temperatura ao menos está agradável. Caminho a esmo procurando pela livraria, observando a opulência do lugar. Ao caminhar recebo o telefonema de uma amiga chamando-me para ir à praia. Pergunto como foi de Natal e ela diz que foi pesado, pois uma amiga de 35 anos pulara do décimo andar e finalmente conseguira atingir o objetivo já tentado há dez anos, quando ela saltara de uma altura mais modesta. Eu a conhecera, era amiga de uma ex-namorada. Durante a conversa, erro pelo shopping com a cabeça no passado, sem perceber o que está ao meu redor. Lembro-me de alguns momentos com a menina, compadeço-me dela e de sua família. Penso no caso do suicida da minha família - que não se considera um suicida apesar de agir como tal - torcendo para que ele mude de comportamento - ou, ao menos, para que com ele permaneça a sorte ou a proteção divina que felizmente vêm evitando um acidente mais grave.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

La Cafetière


Tinha por suas cafeteiras italianas - sobretudo pela primeira, a menor - um apreço desproporcional ao que em geral atribuía às coisas de natureza material. Este apego se dava certamente pelas lembranças de ocasiões felizes marcadas pelo sabor da bebida feita no apetrecho em metal prateado. Como se a cada ritual de preparação de um café, as reminiscências dos momentos passados aflorassem com seu delicioso aroma e, aceleradas - seria pela cafeína? - desfilassem em seu pensamento.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

walking in the city

Caminhava pela rua em que morava. Ia privilegiadamente a pé e sem pressa rumo a um compromisso. Seguindo regras um tanto o quanto básicas de sobrevivência, parou na esquina antes de atravessar a rua e olhou para os lados. Ao ver o ônibus parar bem antes do cruzamento, voltou a cabeça para o alto, em busca de um sinal vermelho, ainda que soubesse que ali não havia sinal. O ônibus piscou o farol, confirmando a gentileza. Ao atravessar, acenou ao condutor para agradecer, e viu que um cadeirante também atravessava a rua. Pode então entender melhor o comportamento daquele motorista, que passou a admirar. Ficou ainda mais feliz quando viu que, na calçada, havia uma rampa para a cadeira de rodas, e sentiu na boca um gosto bom de civilidade e cidadania. Não estava em Oslo, mas em Niterói. Lembrou-se então que já há algum tempo vinha reparando que, no sempre congestionado Centro do Rio, um número crescente de motoristas parava antes da faixa de pedestres, mesmo com o sinal aberto para seus veículos, e só seguiam adiante certos do espaço suficiente, para que não fossem eventualmente obrigados a parar bem no meio da faixa, interrompendo o fluxo de pedestres, inútil imbecilidade que o deixava extremamente irritado.