domingo, 23 de junho de 2013

Conversa de botequim I

Tanta leitura e observação fazem com que em algum momento idéias próprias venham à tona, ainda que elas sejam em parte uma síntese do que foi visto e lido. Em primeiro lugar, antipartidarismo é perigoso pois vai contra os ideais democráticos e só interessa aos que cultuam o poder autoritário, seja de esquerda, seja de direita. O antipartidarismo não pertence ao movimento e é totalmente diferente do seu caráter inegavelmente apartidarista. Não há apenas um partido político por trás das manifestações – e queira-se ou não, nem todos que estão nas ruas compartilham da mesma ideologia, ainda que todos tenham aparentemente um mesmo objetivo.
É preciso, de um lado, que as pessoas tenham a sensibilidade de não quererem impor ao movimento qualquer caráter partidário. Por outro lado, as reações contra eventuais bandeiras de partidos que teimam em querer participar não podem ser violenta. A liberdade democrática garante que bandeiras e camisas de partidos sejam usadas livremente nas ruas. No entanto, símbolos partidários em um local de grande aglomeração popular apartidária podem ser vistos como apropriação indevida e/ou desvirtuação do carácter apartidarista do movimento e, por isso, causar atritos pontuais, como de fato ocorreu em alguns episódios, tornando tênue o limite entre apartidarismo e antipartidarismo, entre democracia e facismo.  
Uma alternativa para garantir o apartidarismo do movimento sem manifestações antipartidaristas, que infelizmente serão inevitáveis de outra forma, seria promover a participação de todos os partidos. Não seria apenas uma bandeira, mas todas e, paradoxalmente, nenhum partido. Seria um verdadeiro teste de tolerância democrática vermos os símbolos das diferentes legendas lado a lado em prol de um objetivo comum, por mais ampla que seja a pauta das reivindicações.
A pauta central não é difusa, ao contrário, é bem específica. As repercussões na vida prática do cidadão e as formas de resolver os problemas é que são difusas. É unânime a insatisfação com a distância entre o que o cidadão paga ao Estado e o que dele recebe em termos de bens e serviços públicos. Esta distância boçal é justificada pela ineficiência da gestão, pelo inchaço, pelo corporativismo, pela representação efetiva de interesses de setores que são contrários aos do cidadão (como o das empresas de ônibus por exemplo) e, sem dúvida o mais revoltante, pela roubalheira vergonhosamente escancarada e impune. Esta insatisfação se dá corretamente com todos os partidos e é tentador querer jogar tudo no lixo e começar do zero. Isto porém, além de injusto (pois existem representantes sérios e honestos), seria utópico.

Não vejo apartidarismo como negação da política, como muitos estão interpretando. O movimento é claramente político, ainda que apartidário. A negação da política e da necessidade de representantes nas três esferas dos três poderes (inclusive para que as várias reivindicações possam ser implementadas) ou é anarquismo, ou simplesmente alienação, duas formas de utopia, uma bonita, a outra muito confortável. E o movimento é composto também, mas não apenas, de anarquistas ou alienados. 

sábado, 4 de maio de 2013

Domingo de Sol na Pont des Arts


Domingo de Sol* – literalmente – na simpática Pont des Arts. Calor para brasileiro nenhum botar defeito. Apesar da brisa não ser tão refrescante como no litoral nordestino e do Sena não ser a praia de Ipanema e não permitir tchibuns, o final de tarde foi vachement sympa. Brasileiros, aliás, numerosos, reunidos ali, em frente ao Louvre, na véspera da comemoração da Queda da Bastilha, marcando espaço. Recife, Fortaleza, Natal, Salvador, Sampa, Rio, BH, etc. Sudeste e Nordeste bem representados, mas é verdade que não faltou gente do Norte e do Sul também. O grupo Solo Brasil, que na quinta anterior fizera um espetáculo genial na Maison du Brésil, esteve exatamente no mesmo lugar da Ponte, exatas 24 horas antes, representando o Centro-Oeste.

Mas se falta a praia de verdade (Paris Plage é piada), a luz desta cidade não deixa à desejar. Esplendor de final de tarde - ou melhor, de final de noite, já que o sol se deitou perto das 11, quando o calor finalmente cedeu à brisa. Depois dos tradicionais tons de laranja, rosa e violeta, foi a vez de uma lua cheia e vermelha brindar os brasileiros que formavam a maior roda da ponte, justamente em volta da nossa bandeira pendurada na murada de ferro e até então brilhando, iluminada dignamente pelo sol poente.

Brasileiros em maioria, mas não faltaram nossos anfitriões franceses e irmãos argentinos. Lembrando dos coreanos e de outros turistas de n'importe que nacionalidades, que passavam babando e, muitas vezes, paravam para escutar a música mais rica do mundo, cantada e tocada pelo povo mais alegre - a despeito da pobreza material da grande maioria.

É bem verdade que alguns não se deram conta dessa babação geral, pois estavam ocupados cantado, tocando, vendo o sol se por ou a lua nascer. Mas quem parou para prestar atenção pode notar que boa parte dos que passavam em frente à roda sorriam e nos olhavam, com uma pontinha de vontade mal disfarçada de parar. O Ziraldo tem ou não tem razão quando diz que o Brasil é o único país cujo nome já vem seguido de ponto de exclamação? Pois é: Tu viens d'où? Do Brasil. Ah, du Brésil!!!!

Tanta admiração também pudera diante de um som tão bom, que ia de Paulinho da Viola a Luiz Gonzaga, de Zé Keti a João do Vale, passando por Jacksons e Chicos (Buarque, Science e César), Antônios (Jobim, Nóbrega) e Geraldos (Pereira, Vandré, Azevedo). Sem falar nas Claras, Elisas, Marias e Marisas, tantos outros brasileiros e brasileiras que daria para ficar um dia inteiro só escrevendo nomes.

Som que unia cavaquinho à flauta transversa, violão ao sax, permeado sempre pela percussão tradicional do pandeiro, tamborim, ganzá e atabaque. Admiração diante de tanta alegria que emanava dos nossos pesquisadores dublês de músicos e dos estudantes cantadores brasileiros. Tanto daqueles que estão de passagem quanto dos que estão por mais tempo.

Admiração verdadeira diante da comunidade brasileira na França, que se associa algumas vezes para cantar e mostrar sua cara sorridente e, vale lembrar também, para fazer valer seus direitos quando a ocasião pede - ou pelo menos tentar - como foi no caso da visita no Ministro Cristóvam Buarque, algumas semanas antes.

Mas como acontece geralmente nesta cidade, o último metrô (literalmente, e não o filme de Truffaut) marcou o fim dessa antológica noite brasileira na França. Só mesmo o fim do transporte barato para colocar a brasileirada na cama tão cedo, perto de uma da matina, sete horas após um tímido começo. Se não, certamente uma parte iria ficar até mais tarde – ou mais cedo, até o sol aparecer de novo na segunda. E isso tudo apesar do nosso amigo "Moi Congo!!!." Mas essa é uma outra história...

* Domingo de Sol foi um evento musical organizado pela Associação dos Pesquisadores e Estudantes Brasileiros na França - APEB-Fr.

(Publicado inicialmente no Yahoogroup  APEBFR em Julho de 2013)