domingo, 25 de abril de 2010

Olinda, Carnaval, 1997

Até passar meu primeiro carnaval em Olinda, nunca tinha visto nada igual em termos de diversidade e qualidade, totalmente diferente da monotonia do carnaval do Rio, sobretudo naquela época. Naquele primeiro carnaval em 1997, tive o privilégio de ver, no coração daquela linda cidade histórica de arquitetura barroca e de paralelepípedos, shows de Eddie, Frankie Jr., Chão e Chinelo, entre outros. Estes shows aconteceram fora das ruas, porém com livre acesso, em um ambiente que parecia mais uma gravação de um acústico da MTV do que um carnaval de rua.

Também fui com Ana Paula e Lulu à Cidade Tabajara ver o encontro dos maracatus rurais, num teatro de arena lindo, recentemente inaugurado, com Mestre Salustiano como mestre de cerimônia. Em Olinda me esbaldei de beijar na boca, de dançar e de cantar maracatu, frevo, côco e ciranda. Também passei uma tarde inteira dançando xote e baião numa ladeira de paralelepípedo bastante íngreme, o que revela uma coragem da qual só os bêbados são capazes. O som vinha de uma casa onde um pessoal do Ceará rolava um pé-de-serra acústico, com uma qualidade assustadora e com repertório baseado em Jackson do Pandeiro.

Acompanhei blocos de pau e corda tocando músicas de Capiba e cia., outros sem rótulo específico, como o Boi Alinhado, o Boi da Gurita Seca e o Angatanamú, além shows de artistas locais como Lenine e Alceu Valença. As paródias de Lenine no seu Quanta Ladeira me fizeram morrer de rir. Mas o boizinho do Siba, como alguns chamam carinhosamente o Boi da Gurita Seca, foi para mim o ponto forte dos meus três carnavais em Olinda.

Fiquei sabendo por acaso da existência do Boi, pois estava na casa onde se preparava parte da logística do bloco. Era um final da tarde de uma sexta-feira, mais precisamente, do dia 8 de fevereiro de 1997, e eu tinha acabado de chegar na cidade, cheio de boas expectativas para meu primeiro carnaval.

Conheci então Dona Cleonice, que estava hospedada na mesma casa que eu. Fiquei surpreso e feliz quando soube ser a mãe de Siba, cujo trabalho no Mestre Ambrósio eu já seguia, na qualidade de fervoroso admirador desde que, pela primeira vez, eles pisaram devagar o chão da terra alheia do Rio de Janeiro em meados nos anos 90.

Naquela sexta, véspera de sábado de carnaval, Siba passaria pela casa para se trocar e para pegar o boi e uma burrinha, peças fundamentais do seu bloco, e feitas em papel machê por ele próprio. Obviamente não deixei passar a oportunidade e me encabecei na brincadeira, aliás, como todos os outros que estavam na casa.

Lembro-me muito bem desta minha primeira folia no carnaval de Olinda, acompanhando o Boi da Gurita Seca. Depois eu seguiria o bloco também no sábado de carnaval e na manhã de quarta-feira de cinzas (pois o boi sempre saía quando a cidade ficava menos cheia), e para mim isto se repetiria ainda durante os dois carnavais seguintes.

A concentração foi na Praça de São Pedro, se não me engano, durante a qual o boi e as pessoas dançavam no mesmo lugar, ao som de versos melodiosos entoados - e muitas vezes improvisados - por Siba à capela, depois repetidos em coro por todos. Entre um verso e outro, percussões típicas do maracatu rural, tocadas por outros artistas do Mestre Ambrósio, como Hélder, acompanhadas de instrumentos de sopro como saxofone, trombone e trompete, formavam um som contagiante que fazia com que todos - e não apenas Zé Limeira - sambassem maracatu, inclusive o boi, carregado então por Pipoca. Depois o boi seguia pelas ruas de olinda, acopanhado de seu cortejo.

Tive a oportunidade de carregar um pouco o boi, que era muito mais pesado do que eu poderia imaginar. Esta foi uma das várias experiências metafísicas que vivi naquela cidade, pois quando entrei no boi, tive a sensação de flutuar literalmente, de me desconectar da realidade - e olha que além de algumas latas de cerveja, não havia ingerido nenhuma substância “química aplicada ao terreno da alteração e expansão da consciência.”, para citar as últimas linhas do manifesto Caranguejos com Cérebro.

Por falar em Chico, o clima do carnaval era de muita tristeza por causa da sua morte absurdamente prematura, no domingo anterior, dia 3 de fevereiro. Eu havia acabado de chegar com Paulo André e Rodrigo em um restaurante japonês, vindos de Tamandaré, quando soubemos da notícia. Aquela semana foi de profunda tristeza, de inconformismo, e para mim, de reflexão e aprendizado.

Mas o trem do carnaval já vinha acelerando há semanas, e apesar da paisagem ter se tornado cinza com o desaparecimento de um grande artista local, que havia há pouco ganhado uma projeção nacional mais do que merecida, o trem já estava muito embalado para parar. O show teve que continuar.

O encontro entre o Boi Alinhado e o Boi da Gurita Seca em frente à casa da Dona Dá foi outra experiência metafísica. Durante o “duelo” de versos improvisados por Duda e Siba, Chico Science foi homenageado e lembrado com muita emoção, e Duda não conteve a sua e desabou em prantos convulsivos, que contrastavam com seu corpanzil.

Durante o encontro dos bois, senti novamente aquela sensação agradável, porém bizarra, de estar desconectado da realidade, de ver as coisas passarem ao redor como em um filme, ou uma outra dimensão, além de ter sentido no ar a mesma eletricidade, o mesmo fluxo de energia, que eu havia sentido quando o Daruê Malungo tocou durante o velório de Chico, na segunda anterior, energia que passava intermitentemente pelo meu corpo, me trazendo arrepios e me fazendo tremer.

Eu teria ficado até o final do encontro, mas uma mulher alguns anos mais velha do que eu me agarrou e terminamos a noite transando na caçamba de uma pick-up estacionada no jardim da casa onde eu estava hospedado. Eu estava crente que havia sido discreto, mas no dia seguinte meus amigos pernambucanos me zoaram muito, pois muitos que estavam na casa tiveram a oportunidade de ver, morrendo de rir, o sobe e desce ritmado da pick-up. Minha estréia no carnaval de Olinda não poderia ter sido mais intensa.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Homem x Natureza

O Homem sempre esteve em confronto com a Natureza para sobreviver e para superar os obstáculos por ela impostos. Na medida em que as tecnologias evoluíram, o Homem conseguiu se proteger cada vez melhor e até mesmo colocar a Natureza a seu serviço. Ele o fez de forma tão eficaz que, maravilhado, esqueceu da sua condição inicial e começou a imaginar que podia dominá-la completamente.

Este acontecimento na Europa é emblemático, pois fazer voar um avião talvez seja uma das tecnologias que mais “afrontam” as leis da natureza e dão ao Homem esta sensação de domínio. No entanto, esta sensação às vezes se revela falsa. Uma simples erupção vulcânica foi suficiente para paralisar parcialmente importantes atividades econômicas em boa parte da Europa e teve impacto no mundo todo por causa das restrições ao tráfego aéreo. Confrontado à sua arrogância e à sua impotência diante da Natureza, o Homem foi obrigado a se lembrar das diferentes ordens de grandeza entre seus poderes.

Um estudo de 2008 publicado na revista Geophysical Research Letters, sobre a geleira de Vatnajökull (a maior da Islândia e que cobre diversos vulcões naquele país) conclui que a retração das geleiras pode, no futuro, gerar um aumento da atividade vulcânica na região.

Os cientistas também relacionam a retração das geleiras como uma das conseqüências das mudanças climáticas causadas, sobretudo, pelo consumo de combustível fóssil, que explodiu a partir da Revolução Industrial. Portanto pode haver um elo causal entre as atividades humanas e um eventual aumento futuro da freqüência e da intensidade das erupções vulcânicas, de cujas conseqüências tivemos uma pequena idéia neste final de semana.

Se o Homem deixasse de tentar dominar a Natureza e a visse apenas como aliada, certamente ela nos trataria melhor. Neste caso, talvez a tecnologia não fosse tão “avançada” como é atualmente, mas ela provavelmente seria menos perniciosa. Algumas invenções trouxeram conseqüências que acabaram se voltando diretamente contra a própria humanidade, como o uso militar da tecnologia nuclear, não por causa da Natureza, mas da estupidez do próprio Homem. Em outros casos, como por exemplo o das mudanças climáticas e de suas prováveis conseqüências catastróficas, o tiro pela culatra pode acontecer como uma reação da própria Natureza às atividades humanas. Alea Jacta Est.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Rio de Janeiro 6 de abril de 2010

Inundações, deslizamentos e mortes. Muita dor, sofrimento e tristeza com a tragédia pela qual passam Rio de Janeiro, Niterói e outras cidades.

Entender a vulnerabilidade da Região Metropolitana do Rio de Janeiro a este tipo de evento é crucial para prevenir tragédias como esta.
Esta vulnerabilidade, já conhecida, é agravada em muito pela ocupação das áreas de risco, sem dúvida o problema mais grave, tanto pela sua extrema complexidade, quanto pelas suas consequências inaceitáveis, sobretudo o grande número de mortes relacionadas aos deslizamentos.

O volume recorde de chuva, causa seminal dos deslizamentos, teria sido causado por uma quantidade execepcional de umidade, fruto da conjugação de dois fenômenos meteorológicos: uma massa de ar vinda da Amazônia e uma frente fria vinda do sul.

Os cientistas sabem que o El Niño e sua irmã La Niña, apesar de terem origem no pacífico equatorial, tem uma influência sobre o clima do Brasil, inclusive na região Sudeste. O El Niño, por exemplo, faz com que parte da umidade da região amazônica seja empurrada para o centro-sul do Brasil.Alguns cientistas acham que as emissões de gases de efeito estufa devidas às atividades humanas poderiam estar tornando estes dois fenômenos mais intensos e mais frequentes,

Várias bacias hidrográficas encravadas na região metropolitana do Rio transbordaram, causando alagamentos. Isto aconteceu não apenas em consequência do volume recorde de precipitação, mas também pelo nível do mar execepcionalmente elevado, que impediu o escoamento natural da chuva para o oceano.

Ainda que a urbanização em si atrapalhe este escoamento, o transbordamento de rios e lagoas não é exclusivo de áreas urbanizadas, e os alagamentos de segunda e terça passadas teriam acontecido de qualquer forma, independentemente da urbanização e da capacidade de escoamento da rede pluvial da cidade.

A construção da cidade em várzeas e outras áreas naturalmente sujeitas a inundações, desconsiderando as idiossincrasias da natureza, tornou a região metropolitana do Rio de Janeiro estruturalmente vulnerável às enchentes.

Apesar de deslizamentos e alagamentos estarem ligados por uma causa comum, estes dois problemas podem e devem ser tratados e resolvidos em separado, com prioridades diferentes, já que o grande número de desabrigados e, sobretudo, os óbitos causados pelos deslizamentos são sem dúvida mais graves que os problemas causados pelos alagamentos, entre os quais destacam-se o caos no tráfego, a paralisação quase total das atividades urbanas e os prejuízos materiais.

É muito triste é ver pessoas conscientes do risco e dispostas a perderem suas vidas. Triste saber que por trás desta atitude muitas vezes esconde-se uma falta de escolha. E muito triste ver a passividade do Estado - e de toda nossa sociedade - diante desta situação.

Por fim, a vulnerabilidade estrutural da região metropolitana do Rio deverá aumentar em função do aumento da frequência e da intensidade dos eventos extremos e também da elevação do nível dos oceanos, prováveis consequências das mudanças climáticas.