sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Ipanema


Sob um céu anil
sob um sol servil
sentado numa prancha
a espera de uma onda
de cor verde-esmeralda
água morna me circunda

À direta, a mais alta
e mais bela das Gáveas
Ao seu lado os Dois Irmãos,
unidos como todos gostariam;
À frente, com as Ilhas Cagarras
tão lindas eu flerto, deixando
enciumado o Arpoador, que
vejo espumando à esquerda
-- será que de raiva?

Olhando para trás visualizo
Ipanema há mil anos atrás
quando o mar de prédios
que em sonho sobreponho
cedia lugar a uma restinga

Interrompo meus sonhos
pois ela, tão esperada,
lentamente se aproxima
majestosa, soberana, linda

Quanto tempo teria
vagado esta onda
antes de estourar
na Praia de Ipanema?
Quais caminhos percorrera?
Que outros mares conhecera?

Não escondo o sorriso nos lábios
Os instantes que em breve viverei
me são raros e por isso preciosos

Remo para entrar na onda
logo estou em pé, surfando-a
sentindo toda sua energia
armazenada por dias e dias

De repente, ela me acaricia
com um abraço fraternal
e dentro de um tubo de cristal
me vejo em total harmonia

São poucos e inefáveis segundos
que em vão tento descrever
Poucos de fato, porém indeléveis
- nunca os irei esquecer
Poucos de fato, porém necessários
para se continuar a viver

Ipanema, 03/05/97

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Song to Bia

What happened tou you?
What’s it going to be?
I’m feeling so blue
‘cause you haven’t call me

Am I asking too much?

I would like to touch
Your hair and your skin
(It is my only dream)

Where are you, sweet voice?
Have I got a chance?
Or rather a choice?
Am I waiting in vain?

I just wanted to dance
With you in the silent
Darkness of my room

I wanna kiss you again
Under that red full moon

Don’t let me in pain
Under that cold rain

Please set free our souls
And tell us the truth
The energy that flows
Underneath our youth
Is clear and strong
But it won’t last so long

Ipanema circa 1998

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

vol de nuit


Ou Lua da Janela ii

Acordara de madrugada, com a presença, de certa forma intrusiva, da lua em seu quarto. Sua luz, projetada pela janela, recortava o chão sob a forma de um retângulo azulado e tornava nítidas as silhuetas da mobília.

Levantou-se preguiçosamente, abriu a porta que dava acesso à varanda e apoiou as duas mãos na grade de proteção. Admirava a lua cheia e a noite magníficas quando, subitamente, a grade cedeu.

Caindo no vazio, grita de terror e fecha os olhos para não ver o chão se aproximando. O que nunca ocorre. Quando isso torna-se evidente, a queda livre torna-se confortável. Em certo momento, o movimento muda de direção, de vertical, passa à horizontal.

Mais um sonho daqueles, mais um vôo noturno, nos quais as imagens são, por alguma razão desconhecida, mais nítidas que nos outros sonhos. Passa por cidades e por lugares de natureza estupenda, e a noite vira dia. Aproxima-se do chão e reconhece nas pessoas a fisionomia típica dos orientais. Elas no entanto estão em pânico. Percebe então que está sobrevoando uma cidade em pleno terremoto. O pesadelo tornara-se recorrente, porém não duraria muito tempo, posto que logo seus olhos se abririam para perceber o mesmo retângulo azulado de antes.

O sono tranquilo e sem sonhos vem de imediato. Ao acordar, lembra-se das duas fatias de pesadelo recheadas de um sonho muito agradável. Liga seu computador para iniciar o dia de trabalho e, ao ver as manchetes do jornal, um calafrio lhe percorre a coluna: “terremoto no Japão mata 200 nesta madrugada”.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

v.i. vii

ou "i.i. iii"

Havia acabado de acomodar seus quase 100 kg sobre a poltrona que de forma alguma fora concebida para pessoas do seu porte. Ainda tinha estampada na mente, como uma fotografia, o rosto da aeromoça que estava na porta da aeronave, de excepcional beleza. Pensou então em seus tempos de atriz de cinema na França, onde se exilara da sua Ucrânia natal, e lembrou-se da própria beleza 30 anos e 30 kg atrás. Em seguida viu a aeromoça descarregar, sobre um rapaz totalmente convencional, um olhar de desprezo tão intenso que ela se arrepiou inteira. Ao ver a reação do pobre diabo à sua frente, não diferente da sua, sentiu pena. Olhou-o em seus olhos, transmitindo sem perceber uma paz tangível que ele pareceu absorver como uma injeção na veia.

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Hoje alguém muito querido e especial para Marcoré faz 65 anos. Palavras são insuficientes para descrever seu amor, sua gratidão e sua admiração. Mas que ao menos fique o registro.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

v.i. vi

ou "i.i. ii"

Amaldiçou a própria beleza hollywoodiana, conjugada à profissão: não aguentava mais os sedutores (e sedutoras) de plantão e seus olhes convidativos, instigantes, sugestivos, etc... Todos fustigantes. A raiva e a frustração acumuladas durante uma década voando pela mesma empresa haviam, definitivamente, atingido os limites. A represa transbordava sobre aquele projeto de Don Juan, com seu olhar pseudo-cativante. Com seus olhos de um azul sem igual, ela o fuzilou com tudo. Ele sentiu a descarga na pele: seus pelos se eriçaram e um arrepio lhe percorreu a coluna, do cóxis até o pescoço, terminando com um ligeiro chacoalhar de ombros. Tudo fora percebido por ela, que se sentiu esvaziada, limpa, aliviada. Suas pernas vacilaram e se não fosse um colega de reflexos rápidos, talvez tivesse despencado escada abaixo. O pobre diabo de gota d'água nada notara, envolto que estava pelo olhar angelical de uma linda senhora ucraniana, de onde emanava algo inexplicavelmente tão forte a ponto de imediatamente anular o efeito do choque sentido no instante anterior.

sábado, 2 de outubro de 2010

v.i. v


ou "inescrituras' interaction"

Assim que vislumbrou a silhueta da aeromoça que recepcionava os passageiros, soube-a de uma beleza ímpar. Seu reflexo foi de procurar seus olhos, que descobriu azuis como a companhia, porém cinzas e frios como o dia. Havia naquele olhar algo que ia muito além da frieza e que desencadeou nele um choque de adrenalina, como se ele tivesse dropado uma onde de 3 metros numa ressaca no Pontão do Leblon. Teve medo. Cruzou por acaso o olhar de uma senhora muito gorda de cores e traços eslavos que, por algum motivo, também desconhecido, o apaziguou imediatamente. Atropelou, por não tê-la notado, a bela moça de cabelos castanhos e cacheados e olhos tristes que estava parada à sua frente e que se desculpou sem ter motivos para tanto.