quinta-feira, 21 de abril de 2011

Construção de um Personagem: Ela


Retardatário por causa de um longo dia de trabalho, juntei-me, finalmente, ao grupo que já estava na pizzaria, a tempo de escutar sua reclamação sobre a impossibilidade de fumar, apesar de o lugar ser aberto. Sua queixa não fazia o menor sentido, pois além de ela ser frequentadora assídua do restaurante, já fazia certo tempo que a lei coibindo o fumo havia sido aprovada. Estranhei ainda mais quando soube, no decorrer da acalorada exposição de argumentos a favor do seu direito de fumar na varanda, que ela estava sem cigarro...

Seguiu-se o jantar com as comandas, que tiveram que ser refeitas uma vez, pois ela fazia questão de controlar os pedidos da sua irmã e da sua sobrinha, por ela convidadas. Com os pratos já na mesa, ela mudou de idéia e resolveu dividir a lasanha à bolonhesa comandada pela irmã, mas não sem antes demonstrar toda sua sensibilidade e sutileza ao chamar de boi ralado o ingrediente principal do célebre ragú italiano.

Provou da lazanha mas não gostou e devolveu ao prato da irmã a porção da qual havia se servido. Fez questão de reclamar com o garçom da falta de massa na lazanha, mostrando-lhe o cardápio onde a presença da massa era garantida. O volume da sua voz era alto. Sem graça, eu não soube para onde olhar quando a bela dona do restaurante, que estava na mesa do lado, virou-se em nossa direção, curiosa para ver quem fazia tão exdrúxula reclamação. Em seguida o garçom retornaria da cozinha, onde tinha ido, a pedido dela, levar a reclamação ao chef, que garantiu que sim, a lazanha continha uma fina camada de massa. Mesmo assim, ela pareceu não acreditar, o que não chegou a me surpreender pois, de fato, coisas finas parecem não fazer parte do seu universo.

Em seguida, contou algumas histórias sobre suas aulas de dança de salão, frequentadas por ela e pela irmã , que incitou a conversa ao explicar que havia deixado de ir às aulas por conta por das frequentes discussões entre alunos e professor. Entre os episódios por ela narrados, me marcou a cena em que ela levou uma pisada no pé do seu par, por sinal, o professor. Machucada e revoltada, tentou de imediato o "justo" revide. Seu par evitara habilmente o golpe, porém novas tentativas se seguiram e ela finalmente conseguiu revidar a pisada. Ao lembrar dos saltos altos e finos que ela usava senti profunda pena do professor, mesmo sem conhecê-lo pessoalmente.

Por fim, sacou o leque de problemas familiares, numerosos e complicadíssimos, e sempre em tom desnecessariamente alto, disse que não levava para casa desaforo de ninguém, apenas de quem a sustentava, que, por sinal, estava ao seu lado na mesa.

O jantar terminara. Exausto e sem a mesma paciência que ele, despedi-me de todos. Não tive a oportunidade de olhar em seus olhos para ver ela estava usando as lentes de contato azuis, que juntas à tinta loura dos cabelos e às próteses de silicone compunham seu estilo fake. Isso, porém, já não mais importava, pois naquele momento, o alívio da partida era a única coisa que passava pela minha cabeça.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

sábado, 2 de abril de 2011

Bueiros pipoca e a energia nuclear no Brasil


Estava estarrecido. Perguntava-se, de forma cada vez mais freqüente, se seria mesmo tão maravilhosa sua cidade natal, na qual a vida seguia entre bueiros que estouravam como pipoca, ferindo moradores e turistas, e entre as sentenças de morte que os próprios policiais julgavam e executavam sumariamente, sem recurso nem dó.

Pensou na belíssima Angra dos Reis, densamente povoada, onde foram instalados dois reatores nucleares durante o vergonhoso regime militar. Pensou na vulnerabilidade do país e daquela região especificamente, e nos impactos dos desastres naturais amplificados pelas falhas crônicas das instituições do seu querido patropi. Pensou no recente e gravíssimo acidente do Japão. Pensou na questão da transparência das informações em caso de acidente, e lembrou-se dos policiais que, em plena democracia, ainda torturavam e executavam, herança do regime militar, tal qual os reatores. Comparou a eficiência das instituições brasileiras e japonesas, lembrou-se dos bueiros explodindo como pipoca, dos incêndios recentes causados por um simples mal uso de maçaricos - mas que estragaram o carnaval de três escolas de samba e destruíram boa parte de um monumento histórico, onde ele por sinal havia feito seus estudos. Subitamente teve medo e repulsa por Angra 1 e 2 e desejou, com todas suas forças, que desistissem imediatamente daquela loucura chamada Angra 3.