Tanta leitura e observação fazem com que
em algum momento idéias próprias venham à tona, ainda que elas sejam em parte uma
síntese do que foi visto e lido. Em primeiro lugar, antipartidarismo é perigoso
pois vai contra os ideais democráticos e só interessa aos que cultuam o poder
autoritário, seja de esquerda, seja de direita. O antipartidarismo não pertence
ao movimento e é totalmente diferente do seu caráter inegavelmente apartidarista.
Não há apenas um partido político por trás das manifestações – e queira-se ou não,
nem todos que estão nas ruas compartilham da mesma ideologia, ainda que todos
tenham aparentemente um mesmo objetivo.
É preciso, de um lado, que as pessoas
tenham a sensibilidade de não quererem impor ao movimento qualquer caráter
partidário. Por outro lado, as reações contra eventuais bandeiras de partidos
que teimam em querer participar não podem ser violenta. A liberdade democrática
garante que bandeiras e camisas de partidos sejam usadas livremente nas ruas.
No entanto, símbolos partidários em um local de grande aglomeração popular apartidária
podem ser vistos como apropriação indevida e/ou desvirtuação do carácter
apartidarista do movimento e, por isso, causar atritos pontuais, como de fato
ocorreu em alguns episódios, tornando tênue o limite entre apartidarismo e
antipartidarismo, entre democracia e facismo.
Uma alternativa para garantir o apartidarismo
do movimento sem manifestações antipartidaristas, que infelizmente serão inevitáveis
de outra forma, seria promover a participação de todos os partidos. Não seria
apenas uma bandeira, mas todas e, paradoxalmente, nenhum partido. Seria um verdadeiro
teste de tolerância democrática vermos os símbolos das diferentes legendas lado
a lado em prol de um objetivo comum, por mais ampla que seja a pauta das reivindicações.
A pauta central não é difusa, ao
contrário, é bem específica. As repercussões na vida prática do cidadão e as
formas de resolver os problemas é que são difusas. É unânime a insatisfação com
a distância entre o que o cidadão paga ao Estado e o que dele recebe em termos
de bens e serviços públicos. Esta distância boçal é justificada pela ineficiência
da gestão, pelo inchaço, pelo corporativismo, pela representação efetiva de
interesses de setores que são contrários aos do cidadão (como o das empresas de
ônibus por exemplo) e, sem dúvida o mais revoltante, pela roubalheira vergonhosamente
escancarada e impune. Esta insatisfação se dá corretamente com todos os
partidos e é tentador querer jogar tudo no lixo e começar do zero. Isto porém, além
de injusto (pois existem representantes sérios e honestos), seria utópico.
Não vejo apartidarismo como negação da
política, como muitos estão interpretando. O movimento é claramente político,
ainda que apartidário. A negação da política e da necessidade de representantes
nas três esferas dos três poderes (inclusive para que as várias reivindicações possam
ser implementadas) ou é anarquismo, ou simplesmente alienação, duas formas de
utopia, uma bonita, a outra muito confortável. E o movimento é composto também, mas não apenas, de anarquistas ou alienados.
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