segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Tremembé


Tremembé era um lugar especial para AOP. Era seu refúgio, sua fonte de paz e de inspiração – Marcoré, por exemplo, seu livro mais importante, é praticamente todo ele ambientado na cidade.

A chácara era seu paraíso particular: metaforicamente um oásis, era um pequeno jardim botânico (literalmente), onde a convivência de AOP com os demais freqüentadores era puro deleite para todos.

Com seu amor e sua sensibilidade, AOP sublimou, em especial, a convivência com seus netos e outras crianças, moradoras ou não da pequena cidade do Vale do Paraíba. Não se cansava de ensinar sobre a natureza, em particular sobre as árvores e os pássaros, mas sem menosprezar as flores e seus insetos. A natureza era seu meio de comunhão com o Universo. O amor e o respeito que ele tinha por todos os seres vivos eram naturalmente absorvidos pelas crianças.

AOP tinha um prazer enorme em reunir na chácara dezenas de crianças da cidade que, juntamente com seus 4 netos, formavam uma platéia assídua de rostinhos intrigados aplaudindo febrilmente seus passes de mágica (um dia, certo neto desconfiaria e não se conformaria com a rã que virava pipoca, achando muita estranha a coincidência do cheiro que vinha da cozinha, apenas alguns momentos antes do truque).

Com sua brincadeira de fantasma, AOP arrancava gargalhadas das crianças, que devido a limitação de espaço, não eram tão numerosas quanto nos espetáculos de mágica. A brincadeira se consistia em uma variação do esconde-esconde, porém restrito a um quarto escuro. Depois de alguns minutos de expectativa, adentrava correndo uma espécie de fantasma, que procurava incansavelmente os escondidos, carregando sobre o corpo um lençol com dois furos nos olhos e, na mão, um rolo de jornal velho, com o qual fingia bater nos que encontrava dando sopa, o que tinha como resultado verdadeiras crises de riso por parte de todos - inclusive do fantasma - mas sobretudo da criança pega, que ria de cair no chão, de ficar com lágrimas nos olhos e com os músculos da barriga doendo.

E as histórias? Ah, as histórias... Centenas, inventadas na hora, sempre envolvendo bichos, que infelizmente não seriam registradas e se tornariam exclusivas dos netos, que as ouviram sentados no colo, inebriados, absorvidos, admirados.

As lições de xadrez no alpendre, estas eram dadas a apenas um neto de cada vez, também no colo. E se o pupilo movia o cavalo em diagonal, ou se saltava peças com o bispo ou com a rainha, não era por incompetência do professor avô que, apesar dos protestos, aceitava resignado o xeque-mate.

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