sábado, 14 de maio de 2011

La Clope


Suas primeiras lembranças foram as de um campo. A vista, apesar de se repetir monotonamente a cada dia, era bela. Durante anos seria o tempo - tanto o clima quanto o decorrer das horas – quem traria as sutis e únicas variações na paisagem. Veria noites de lua nova e de absoluta escuridão em que o céu era pontilhado por diamantes, e também pores do sol esplendorosos, mas foi o nascer da lua cheia vermelha que o marcaria profundamente. Ante a esse espetáculo, sempre perdia o fôlego, problema que, mesmo sem saber, viria a causar nos outros em um futuro próximo.


A paisagem se repetiria até que um dia ele ouviria um barulho estranho, que destoava do silêncio até então perene daquele local, e que foi aumentando até culminar no desaparecimento total da luz. Não mais estava estático: o movimento e o trepidar eram sensações nítidas, a despeito de nunca tê-las experimentado antes. Em certo momento, essas sensações parariam por alguns minutos, antes de se transformarem em uma rápida e intensa queda, seguida de uma nova sensação de movimento, esta mais suave e mais longa. Após nova parada, a luz surgiria novamente, mas com ela viria o caos total: quedas freqüentes e abruptas e um barulho ensurdecedor durante algumas horas. Depois, logo antes da luz sumir novamente, viria uma estranha sensação de compressão, que nunca mais o deixaria até o fatal momento.

Sentiria novamente, e por repetidas vezes, as sensações de movimento suave e de queda abrupta, sempre na escuridão. Por fim, voltaria a sentir a sensação seminal de estar parado em um mesmo lugar, e as lembranças dos primórdios da sua existência lhe seriam agradáveis por um lado, mas fariam com que a ausência de luz lhe fosse insuportavelmente triste.

Um dia, depois de longo tempo parado, voltaria a sentir a sensação de movimento, porém diferente de tudo o que sentira até então. Logo viria a luz, descortinando uma paisagem estranha e inédita: um ambiente enfumaçado, cercado de espelhos e garrafas, onde vozes e música se misturavam num coquetel inaudível.

Subitamente, uma sensação agradável de calor o preencheu de um êxtase nunca antes sentido. Ouviu um suspiro, e suspirou também. Em seguida, flutuou por alguns instantes até tudo se acabar.

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"La Clope" ou "um outro ponto de vista para Inês"

"olhando ao nada, bateu a cinza do cigarro no chão e suspirou.

que merda…”

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