domingo, 22 de março de 2009

Gênova 2001 - Post Scriptum: Escola Diaz

Na manhã da segunda 16 de março, dia da publicação de Gênova 2001 , o texto anterior a este, eu viajara para Bruxelas, onde assistiria a um congresso. Durante os 82 minutos que o T.G.V. leva para cobrir os 300 km que separam Paris-Nord de Bruxelles-Midi, eu trabalhara novamente o texto e o deixara quase pronto para publicá-lo mais tarde.

Sabia que no local do congresso haveria acesso à internet, mas não conseguiria publicar o texto durante o dia, que fora longo e cansativo. O trem partira às 8 da manhã de Paris, e eu deixara o centro de convenções em Bruxelas às 8 da noite. A solução seria publicar o texto à noite, mas eu já estava atrasado para um jantar com Giuliano e Laure, amigos queridos que haviam me recebido um mês antes. Era o único momento para vê-los, já que voltaria no dia seguinte para Paris, diretamente do congresso.

Depois de 40 minutos de metrô, chego finalmente na casa dos meus amigos, quase às 9 da noite. O reencontro entre um brasileiro e um italiano que não se viam há um mês produziu uma torrente de palavras de ambas as partes que ia muito além da capacidade humana de compreensão. Cacofonia e caos totais. Foram necessários alguns minutos para percebermos que não estávamos entendendo nada do que o outro dizia, concentrados que estávamos na necessidade vital de expressarmos, em 5 minutos, todos os acontecimentos das últimas semanas.

Finalmente as interrupções recíprocas diminuíram e conseguimos nos comunicar. Falei sobre o espetáculo Gênes 01, baseado no texto de Fausto Paravidino, que eu assistira alguns dias antes na região de Paris, tema do post no qual eu trabalhara no final de semana e no T.G.V., e que eu deveria publicar em no máximo 3 horas, caso não quisesse perder o prazo limite de segunda-feira (o Contramão surgiu em dezembro de 2008, com um texto semanal, sempre às segundas-feiras).

Mal eu começara a falar sobre o espetáculo e Giuliano me interrompeu de novo para contar que ele havia estado em Gênova em julho de 2001, partindo em seguida buscar as fotos que ele fizera na ocasião. Depois da Butte-aux-Cailles, “coincidência”em Bruxelas.

Ao chegarmos no restaurante, Giuliano começou a contar com detalhes a sua história. Quando ele chegara em Gênova no final do primeiro dia de conflitos, ele se depararia com um clima bizarro, estranho. Algo fora do normal havia acontecido, mas ele não sabia o que, pois havia feito o trajeto de carro, sem rádio, e não ficara sabendo dos acontecimentos que culminariam na morte de Carlo Giuliani. Ao procurar explicações para o clima de guerra, Giuliano conheceu um morador da cidade, que ofereceu hospedagem. Caso contrário, ele teria ido acampar na Escola Diaz, e talvez fosse mais um dos espancados pela polícia.

Giuliano me contou então sobre o massacre da Escola Diaz, um dos episódios que mais me chocara na peça. No momento em que dezenas de policiais invadiram a escola para massacrar os manifestantes que lá estavam acampados, Giuliano estava por acaso em um bar próximo. Durante o massacre, ninguém entrava e ninguém saía da escola. Duas horas de terror. Giuliano contou que algumas pessoas entraram no bar, desesperadas e impotentes, pedindo socorro pelos massacradros. O clima ficou tão tenso e pesado que o dono do bar local fechou as portas do local para impedir que as pessoas saíssem e entrassem em conflito com a polícia.

Giuliano falaria mais tarde com algumas pessoas que estavam ao redor da escola, que ouviram, sem poder fazer nada, os gritos de terror que vinham de dentro, e que viram, chocadas, a centena de feridos saindo, 30 dos quais de maca, alguns cobertos, como se fossem cadáveres.

Giuliano contou ainda que, ao assistir mais tarde as informações transmitidas pela televisão sobre os acontecimentos do dia, teve impressão de que estavam falando de um outro planeta, tal era a distância entre a versão dos fatos e que estava realmente acontecendo.

Terminamos o jantar e as histórias. Fomos para casa, exaustos após um dia longo de trabalho, e com um gosto de revolta e impotência na boca por causa de Gênova. Chegamos em casa alguns minutos antes da meia-noite. O texto longo e com erros de ortografia e gramática precisava de um trabalho de revisão que demandaria um tempo superior aos poucos minutos que me restavam para que fosse publicado dentro do prazo de segunda-feira. Optei em publicar o texto mesmo assim.

Além disso, os fatos que Giuliano havia acabado de relatar precisariam ser publicados, juntamente com algumas de suas fotos. Surgia assim a idéia do post de hoje, um post scriptum ao texto daquele dia 16.

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