segunda-feira, 16 de março de 2009

Gênova 2001

Gênes 01. Espetáculo teatral que descreve a violentíssima repressão feita pelo Estado italiano aos manifestantes presentes na cidade de Gênova em julho de 2001, durante a cúpula do G-8. A peça, que me chocou fortemente, resgata o episódio durante o qual Carlo Giuliani, de apenas 23 anos, foi morto pela polícia, que deixou também centenas de pessoas feridas, muitas gravemente. Traz também informações que não lembro de ter visto na mídia, o que não me surpreende, ao contrário.

Foram apenas três apresentações na região parisiense, todas em Blanc-Mesnil (Seine Saint-Denis, o temido "neuf trois"). Apesar de estar com uma ótima ocupação, o espetáculo merecia lotação completa. Infelizmente, parte do público potencial deixou de vir pelo fato do teatro ser fora de Paris, ainda que não longe. Por exemplo, da Cité Internationale Universitaire de Paris, leva-se apenas 40 minutos de porta à porta até o espaço cultural Le Forum, onde fica o teatro, que fica está a 10 minutos a pé da Gare de Drancy, a estação de trem mais próxima, toda em estilo Art Déco e a apenas 20 minutos da estação Paris Nord.

A peça é particularmente recomendável aos que se interessam por direitos humanos ou pela capacidade da mídia em distorcer ou ocultar certos fatos. Confesso que desconhecia vários acontecimentos do episódio de Gênova, por exemplo, que centenas de lugares da prisão da cidade foram criados um pouco antes do encontro, com o deslocamento dos presos para outras cadeias próximas. Da mesma forma, os hospitais foram preparados previamente para receber um número maior de pessoas que o habitual...

A peça também confronta as diferentes versões dadas pela responsabilidade à morte do rapaz, e narra dois episódios fortíssimos de tortura. O primeiro, a invasão de uma escola onde estavam alojados 400 manifestantes, dos quais 30 saíram de maca. O objetivo da ação policial era a recuperação de tudo que fora filmado ou fotografado do conflito pelos manifestantes. Foram duas horas de espancamento, ouvido de fora da escola. O segundo episódio de tortura foi pior, pois durou vários dias, dentro da prisão, sem testemunhas. Apenas o depoimento dos manifestantes presos e torturados na cadeia.

O espetáculo se encerra justamente com a leitura de parte destes depoimentos. Os algozes batiam e torturavam, e isto muitas vezes entoavando hinos nazistas. Além da tortura, eu desconhecia a premeditação, a suspensão de leis constitucionais, o isolamento de uma parte da cidade, manifestantes violentos que na verdade eram agentes da polícia ou estavam em conivência com esta, entre outros fatos.

A montagem do espetáculo usa vários recursos multimídia, sobretudo projeções de vídeo com cenas do conflito. Os 5 atores, ótimos por sinal, usam um texto que, ao mesmo tempo em que conta a história, mostra como a mídia conseguiu amenizar, esconder ou distorcer os fatos. O pior do episódio de Gênova ao meu ver, além da tortura, foi a premeditação em gerar um conflito violento. Com um mapa da cidade projetado no telão, os atores explicam como a passeata de sábado, que até então era pacífica, foi literalmente encurralada. A unica possibilidade para os manifestantes era seguir adiante. O trajeto fora escolhido pela polícia, que surpreendeu os manifestantes ao barrar a única passagem da passeata. E isto para provocar o conflito.

Imaginem um público saindo de um Maracanã lotado, passando pelas ruas de Olinda. Imaginem que esta multidão está em uma parte da cidade em que a única passagem é sempre avante, e que de repente esta única passagem fosse bloqueada por policiais armados para um combate de guerra e ainda por cima lançando gás lacrimogênio? Foi exatamente o que aconteceu e o que gerou uma onda de reações violentas por parte dos manifestantes em Gênova.

As pessoas à frente da manifestação não tinham para onde correr do gás, a não ser que a longa fila de centenas de milhares de pessoas que vinha atrás fizesse meia volta volver. Mas como? Impossível! Os que se encontravam mais para trás da passeata e não estavam sob o efeito do gás, e por isso se deram conta da premeditação da polícia, se revoltaram e reagiram. A polícia não podia recuar pois estava no local exatamente para bloquear a passagem, para punir, para bater, para reprimir duramente. Senão, ela não teria se posicionado onde se posicionou. Pior, a polícia botava lenha na fogueira, recuando e avançando, deixando a massa vir, para em seguida contra-atacar!

O espaço cultural Le Forum, é bonito e tem ótima infraestrutura, com destaque para o teatro. Esteve presente dando apoio um jornal de bairro chamado Vu d'Ici, muito bem feito por sinal, criado após as revoltas de 2005 na França, cujo centro fora exatamente na região onde estava sendo passado o espetáculo. Nada mais natural que o jornal apoiar a cultura, uma foma de mitigar os problemas sociais que estão por trás dos acontecimentos de 2005, que tiveram um outro ponto em comum com Gênova 2001: as informações veiculadas na mídia muitas vezes não condisseram com os verdadeiros fatos por trás do episódio.

Nas fileiras da frente e de trás à minha, vários jovens, certamente moradores do local, convidados explicitamente por isso, entre os quais possivelmente alguns protagonistas das revoltas de 2005. Enquanto eu chorava ouvindo as cenas de tortura, alguns destes jovens comentavam em alta voz a dureza daquelas cenas. Mas isto de forma um tanto o quanto blasé, muitas vezes até com risos ou ironia, revelando que muitos deles já estavam completamente endurecidos pela vida.

O primeiro dia da peça terminou com um debate entre o público, um sociólogo francês e o diretor da peça, que também atua. O sociólogo, ao citar o episódio da tortura do colégio, também explicou os motivos: a recuperação das imagens pela polícia, lembrando que hoje em dia é muito fácil de se registrar um evento com aparelho de telefone para em seguida, se divulgar as imagens pela internet. Destacou ainda que, por este motivo, a internet, simbolo maior da globalização, teria um papel positivo, no qual residiria, paradoxalmente, parte da força dos "no-global", como foram rotulados os manifestantes de Gênova.

Mas antes de chegar ao teatro, entre este e a gare de Drancy, sentado no último banco do lado direito de um ônibus, vejo passar pela calçada, a menos de um metro de mim, um casal de policiais, indo na mesma direção do ônibus, que seguia em baixa velocidade. A mulher estava com uma arma cujo calibre eu nunca tinha visto antes ao vivo, algo como uma espingarda prima-irmã da bazuca. Andava olhando para a frente, conversando com o outro policial, rindo, de forma displicente. Levava a arma no colo, como se fosse um bebê, apoiada nos dois antebraços, a parte da frente caindo para o lado esquerdo. E assim, em um dado momento, me surpreendo ao ver um canhão apontado para minha cabeça. A policial, sem nem sequer perceber, segue rindo, conversando. Penso num eventual acidente e no absurdo da situação. Comento com meu amigo, que vira a cena também. O ônibus para, os policiais nos alcançam e a cena se repete. Não sei se rio, se choro, ou se desço para dar uma bronca na policial. Melhor não, senão seria garde à vue na certa. Saco o celular para tirar uma foto. Tarde demais, o ônibus acelera. Perco o momento. Depois mais tarde, durante o debate, faço a associação entre esta cena e as palavras do sociólogo sobre as fotos de celular e o papel da internet que ouviria algumas horas depois.

Um comentário:

  1. Oi..

    Obrigada pela visita e pelo comentàrio..

    =)

    http://travelandtrips.wordpress.com/

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