segunda-feira, 13 de abril de 2009

Achados e Perdidos - Parte II: Achados

Ato IV

Paris, Inverno 2009. Hélio Penido de passagem por Paris me convidara para comer um cassoulet em um pequenino restaurante bem típico, chamado Au Bon Saint-Pourçain, cujo dono faz também papel de cozinheiro e de garçon e cuja barriga tem dimensões inversamente proporcionais às do restaurante. Gentil ao extremo, Penido convidara também uma amiga minha, recém conhecida.

Após o jantar, Penido, cuja amizade teve início com meu pai, nos convida para tomar champagne em um bar no Boulevard Saint Germain que ele frequentava nos anos 70. Cristina e eu gostamos da idéia, desde que fossemos nós quem o convidasse, e não o contrário. Sobretudo ela, que já estava constrangida por ter sido convidada para o jantar.

No bar, dou o famoso golpe de pedir licença para ir ao banheiro, e aproveito para pagar o champagne, o que deixa ambos realmente contrariados. O bar fecha e passamos ao bar do lado, com o pretexto de que a Cristina queria absolutamente pagar algo também naquela noite. Todo pretexto é válido, e mudamos de bar. Nossa despesa é porém modesta, pois já era tarde e trabalhávamos no dia seguinte.

Despeço-me de ambos, que decidem pegar um táxi. Afirmo minha intenção, no momento sincera, de voltar para casa de Velib. Apesar da curta distância e da determinação expressa um minuto antes, o frio me faz desistir da bicicleta. Preguiçoso, resolvo pegar também um táxi. Pago a corrida, que durara pouco mais de 5 minutos e, ao descer do carro, quase piso em uma carteira de couro preta.

Subo para meu apartamento e tenho o mesmo reflexo do sujeito que achara a minha carteira no Champs Elysées: vasculho totalmente o objeto a procura de um telefone ou de um endereço. Minha busca é porém em vão. Alguns euros, vários cartões e outros documentos de uma jovem e bonita menina, porém nada de telefone ou endereço. Com meu reflexo de pesquisador, faço uma pesquisa pelo seu nome no Google. Tento inclusive o Facebook, mas nada. Insisto uma segunda vez e faço nova busca da carteira: tiro tudo de dentro, sob pena de nunca mais conseguir colocar de volta na mesma ordem os documentos que verifico novamente, um por um.

Um sorriso se desenha em meus lábios quando vejo um R.I.B (relevé d'identité bancaire), cujo endereço era o do imóvel colado ao meu. No entanto, o nome que constava neste documento era outro. Diferentes pessoas. Sem melhor, torço para que morem juntos ou ao menos para que se conheçam, mais do que provável.

Penso nas caixas de correio, que em Paris em geral são fechadas à chave, e que ficam no hall de entrada dos prédios que, aqui, ao contrário do Brasil, quase nunca têm porteiro 24h por dia à disposição e, por isto, são em geral dotados de um sistema no qual digita-se um código que destranca a porta. Apesar do cansaço e das poucas chances de poder acessar o imóvel sem o tal código, a ansiedade é grande, e desço com o intuito de depositar a carteira na caixa do correio. Para minha sorte - e sobretudo para sorte da menina que a perdera - seu prédio dá livre acesso às caixas do correio.

Olho as várias dezenas de nomes e finalmente acho, com grande prazer, o nome correspondente ao R.I.B encontrado na carteira alguns minutos antes. Pela abertura destinada à correspondência, enfio a carteira com exatamente tudo o que havia dentro. Sinto um misto de alívio e felicidade, e uma sensação de ter feito uma boa ação. E lembro-me do sujeito que havia encontrado a minha carteira 2 anos antes no Champs Elysées.

Ato V

Paris, primavera 2009. Convido uns amigos para um apéro em meu modesto studio para, em seguida, irmos jantar no Chez Gladines, que fica pertinho de onde moro, na rue du Champ de l'Alouette, quase na esquina da rue de la Glacière, perto da estação de metrô de mesmo nome.

Estamos caminhando pela minha rua, rumo à Butte-aux-Cailles, onde fica o concorrido restaurante basco, quando passa por nós, pela calçada, um patinador, qual um T.G.V. No exato momento em que ele nos ultrapassa, deixa cair algo, que uma pessoa abaixa para pegar. Uma carteira de identidade. Gritamos, assoviamos. Inútil, o sujeito, que já se distanciara bastante, não nos escuta. Me ofereço para ficar com o documento com o intuito de o enviar pelo correio ao serviço de Achados e Perdidos de Paris.

O jantar termina muito bem - como sempre, diga-se de passagem. Retorno para casa. Quando chego, lembro-me do problema da identidade encontrada algumas horas antes. Resolvo procurar o patinador no Facebook. Uma única pessoa com aquele nome, e pelas fotos, a mesma que perdera o documento. Bingo! Envio uma mensagem apenas para garantir: “Vous avez passé en rouler à la rue du Champ de l'Alouette et vous avez laissé tomber votre CI. Une amie a réparé, on vous a sifflé et on vous a crié, mais vous étiez déjà trop loin. Votre CI est chez moi au 13ème et je peut vous l'envoyer par la poste si vous voulez. Amitiés”

O patinador responde pela manhã, algumas horas depois, também pelo Facebook: “ C'est super gentil, je l'ai cherchée partout. Je vous donne mon adresse, j'habite 21 rue des Tanneries. Encore un très grand merci !”

Ora, este endereço não apenas fica a menos de 200 metros do meu atual apartamento, como também foi exatamente no 21 rue de Tanneries onde morei durante quase 5 anos, até setembro do ano passado! Eu respondo: “Alors je vais la déposer dans votre boite aux lettres, car j'habite à côté. En plus, j'ai habité pendant 5 ans au 21 rue de Tanneries! Incroyable!!”

O patinador responde: “Le hasard est vraiment incroyable. Merci infiniment !” O acaso é incrível, ele diz, agradecendo mais uma vez.

No dia seguinte, rumo ao imóvel onde morei durante anos, penso comigo: “Acaso?”

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