segunda-feira, 27 de abril de 2009

La Place des Clichés - Extratos

... O sistema de transporte público parisiense é fantástico, mas não funciona vinte e quatro horas por dia. É tão eficiente e tão utilizado que, quando faz sua interrupção diária, em torno de uma hora da manhã, deixa os boêmios e os trabalhadores noturnos a ver navios. Para estes, restam algumas opções: esperar a retomada da circulação do metrô, por volta das cinco e meia da madrugada, pegar o ônibus noturno, simplesmente andar e, mais recentemente, ir de Velib. A opção mais radical é pegar um taxi, ou melhor, tentar. Ah, os taxis parisienses. Se existe algo indelével nesta cidade, ei-lo. E não se trata de uma mera implicância de um carioca acostumado com o problema inverso, ou seja, taxistas que às vezes chegam até mesmo a sair no tapa disputando passageiros em plena Av. Nossa Senhora de Copacabana. A virtualidade dos taxis parisienses é reconhecida internacionalmente !

Os taxis aqui são modernos, muitas Mercedes-Benz com banco de couro, GPS e em um sistema de luz que indica se o taxi está disponível. É fácil ver, na noite de Paris, taxis circulando com a luz apagada, o problema é achar um taxi com a luz acesa, vazio. Para ter sucesso nesta empreitada, é necessário se deslocar até um dos pontos de taxi e esperar na longa fila. Neste caso, vale a pena ter à mão um livro (a Odisséia de Homero vai bem, tanto pelo tamanho quanto pelo tema, que combina) e uma cadeira de praia. Arrependi-me amargamente de não ter trazido a minha do Rio.

Uma outra possibilidade é achar uma das raras partes da cidade onde a probabilidade de um taxi vazio passar é diferente de zero. Mesmo sem conhecer bem a cidade, até que é bem fácil identificar estes lugares, que vão estar pontuados por pessoas na calçada ou andando na rua pela contramão, olhando ansiosamente para os carros que passam, com o braço e o dedo indicador esticados, ou ainda, atravessando a rua correndo sem olhar para os lados (não, não é tentativa de suicídio, estão apenas tentando alcançar um taxi que passa no sentido inverso). Quando um taxista infeliz para entre dois grupos não muito distantes entre si, em geral sai briga e o taxista acelera, deixa a pancadaria rolando e pega o cliente que inevitavelmente encontrá alguns metros mais à frente.

No entanto, às vezes vê-se um taxi vazio e, com mais um pouco de sorte, é possível abordá-lo antes de outros clientes. O golpe de sorte final terá acontecido se o seu destino - que invariavelmente será objeto de curiosidade do taxista antes da porta se abrir - convier a este. Na primeira vez que consegui um taxi, fiquei tão feliz que ao chegar em casa comemorei com champanhe. Nacional, é claro...

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Achados e Perdidos – Parte III : Roubado?

Ato final

Dusseldorf, Inverno 2009. Coloco a carteira no bolso traseiro da calça jeans e com pressa dirijo-me à estação de trem. Meu irmão me acompanha durante os 15 minutos de caminhada. Um pouco antes de embarcar, tateio o bolso e não sinto a carteira. Procuro na mochila, nos bolsos do casaco, mas apenas por desencargo, pois tinha a certeza de que a havia colocado no bolso traseiro da calça. Impossível saber ao certo o que ocorrera : se ela simplesmente caíra do bolso, ou se me fora subtraída por um exímio batedor de carteiras.

O trem partiria em poucos minutos. Despeço-me do meu irmão, que corre para refazer o caminho. Tínhamos a esperança de que a carteira pudesse ter caído na escada do prédio ou no próprio apartamento onde eu havia passado a noite.

Sento-me no trem e faço um esforço para não pensar nos 2 cartões de crédito, no cartão do banco, na Carte Vitale, no Titre de Séjour e nos 200 euros perdidos. Algum tempo depois meu irmão me ligaria para dizer que, infelizmente, ele não encontrara a carteira.

Durante a viagem de volta aproveito para cancelar meus cartões de crédito. E torço para não ser controlado pela polícia, pois apesar de estar com o passaporte, a falta do Titre de Séjour, que acabara de perder, poderia me causar problemas.

Ao chegar em Paris vou imediatamente à polícia fazer uma declaração que certamente seria necessária para a demanda de segunda-via do meu titre de séjour, cuja renovação estava marcada no dia seguinte. Chega a minha vez, explico o ocorrio ao policial, que me pede para precisar se a carteira fora perdida ou furtada. Explico que não sei. Ele no entanto precisa de uma definição. Opto pela segunda opção e obtenho uma declaração de furto.

No dia seguinte consigo renovar sem problemas o titre de séjour. Alguns dias depois chegariam os novos cartões de crédito, o que faria novamente de mim um cidadão nesta terra. Com o visto renovado, ficaria faltando apenas refazer a Carte Vitale que, juntamente com os 200 euros, seria o inconveniente maior da perda.

Algumas semanas se passam e, ante a falta de coragem para enfrentar a burocracia francesa, vou empurrando com a barriga a solicitação da segunda-via da Carte Vitale, o que finalmente se mostraria uma boa escolha quando, num belo dia, recebo um envelope proveniente da Alemanha, cujo conteúdo me surpreenderia: todos os documentos que estavam na carteira perdida, incluíndo cartões de crédito e também a Carte Vitale. Só faltavam mesmo os 200 euros. Mas aí, já seria querer abusar muito da sorte . . .

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Achados e Perdidos - Parte II: Achados

Ato IV

Paris, Inverno 2009. Hélio Penido de passagem por Paris me convidara para comer um cassoulet em um pequenino restaurante bem típico, chamado Au Bon Saint-Pourçain, cujo dono faz também papel de cozinheiro e de garçon e cuja barriga tem dimensões inversamente proporcionais às do restaurante. Gentil ao extremo, Penido convidara também uma amiga minha, recém conhecida.

Após o jantar, Penido, cuja amizade teve início com meu pai, nos convida para tomar champagne em um bar no Boulevard Saint Germain que ele frequentava nos anos 70. Cristina e eu gostamos da idéia, desde que fossemos nós quem o convidasse, e não o contrário. Sobretudo ela, que já estava constrangida por ter sido convidada para o jantar.

No bar, dou o famoso golpe de pedir licença para ir ao banheiro, e aproveito para pagar o champagne, o que deixa ambos realmente contrariados. O bar fecha e passamos ao bar do lado, com o pretexto de que a Cristina queria absolutamente pagar algo também naquela noite. Todo pretexto é válido, e mudamos de bar. Nossa despesa é porém modesta, pois já era tarde e trabalhávamos no dia seguinte.

Despeço-me de ambos, que decidem pegar um táxi. Afirmo minha intenção, no momento sincera, de voltar para casa de Velib. Apesar da curta distância e da determinação expressa um minuto antes, o frio me faz desistir da bicicleta. Preguiçoso, resolvo pegar também um táxi. Pago a corrida, que durara pouco mais de 5 minutos e, ao descer do carro, quase piso em uma carteira de couro preta.

Subo para meu apartamento e tenho o mesmo reflexo do sujeito que achara a minha carteira no Champs Elysées: vasculho totalmente o objeto a procura de um telefone ou de um endereço. Minha busca é porém em vão. Alguns euros, vários cartões e outros documentos de uma jovem e bonita menina, porém nada de telefone ou endereço. Com meu reflexo de pesquisador, faço uma pesquisa pelo seu nome no Google. Tento inclusive o Facebook, mas nada. Insisto uma segunda vez e faço nova busca da carteira: tiro tudo de dentro, sob pena de nunca mais conseguir colocar de volta na mesma ordem os documentos que verifico novamente, um por um.

Um sorriso se desenha em meus lábios quando vejo um R.I.B (relevé d'identité bancaire), cujo endereço era o do imóvel colado ao meu. No entanto, o nome que constava neste documento era outro. Diferentes pessoas. Sem melhor, torço para que morem juntos ou ao menos para que se conheçam, mais do que provável.

Penso nas caixas de correio, que em Paris em geral são fechadas à chave, e que ficam no hall de entrada dos prédios que, aqui, ao contrário do Brasil, quase nunca têm porteiro 24h por dia à disposição e, por isto, são em geral dotados de um sistema no qual digita-se um código que destranca a porta. Apesar do cansaço e das poucas chances de poder acessar o imóvel sem o tal código, a ansiedade é grande, e desço com o intuito de depositar a carteira na caixa do correio. Para minha sorte - e sobretudo para sorte da menina que a perdera - seu prédio dá livre acesso às caixas do correio.

Olho as várias dezenas de nomes e finalmente acho, com grande prazer, o nome correspondente ao R.I.B encontrado na carteira alguns minutos antes. Pela abertura destinada à correspondência, enfio a carteira com exatamente tudo o que havia dentro. Sinto um misto de alívio e felicidade, e uma sensação de ter feito uma boa ação. E lembro-me do sujeito que havia encontrado a minha carteira 2 anos antes no Champs Elysées.

Ato V

Paris, primavera 2009. Convido uns amigos para um apéro em meu modesto studio para, em seguida, irmos jantar no Chez Gladines, que fica pertinho de onde moro, na rue du Champ de l'Alouette, quase na esquina da rue de la Glacière, perto da estação de metrô de mesmo nome.

Estamos caminhando pela minha rua, rumo à Butte-aux-Cailles, onde fica o concorrido restaurante basco, quando passa por nós, pela calçada, um patinador, qual um T.G.V. No exato momento em que ele nos ultrapassa, deixa cair algo, que uma pessoa abaixa para pegar. Uma carteira de identidade. Gritamos, assoviamos. Inútil, o sujeito, que já se distanciara bastante, não nos escuta. Me ofereço para ficar com o documento com o intuito de o enviar pelo correio ao serviço de Achados e Perdidos de Paris.

O jantar termina muito bem - como sempre, diga-se de passagem. Retorno para casa. Quando chego, lembro-me do problema da identidade encontrada algumas horas antes. Resolvo procurar o patinador no Facebook. Uma única pessoa com aquele nome, e pelas fotos, a mesma que perdera o documento. Bingo! Envio uma mensagem apenas para garantir: “Vous avez passé en rouler à la rue du Champ de l'Alouette et vous avez laissé tomber votre CI. Une amie a réparé, on vous a sifflé et on vous a crié, mais vous étiez déjà trop loin. Votre CI est chez moi au 13ème et je peut vous l'envoyer par la poste si vous voulez. Amitiés”

O patinador responde pela manhã, algumas horas depois, também pelo Facebook: “ C'est super gentil, je l'ai cherchée partout. Je vous donne mon adresse, j'habite 21 rue des Tanneries. Encore un très grand merci !”

Ora, este endereço não apenas fica a menos de 200 metros do meu atual apartamento, como também foi exatamente no 21 rue de Tanneries onde morei durante quase 5 anos, até setembro do ano passado! Eu respondo: “Alors je vais la déposer dans votre boite aux lettres, car j'habite à côté. En plus, j'ai habité pendant 5 ans au 21 rue de Tanneries! Incroyable!!”

O patinador responde: “Le hasard est vraiment incroyable. Merci infiniment !” O acaso é incrível, ele diz, agradecendo mais uma vez.

No dia seguinte, rumo ao imóvel onde morei durante anos, penso comigo: “Acaso?”

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Achados e Perdidos - Parte I: Perdidos

Ato I

Madrugada de primeiro de janeiro de 2004. O taxi para na Rue de la Glacière. Nos despedimos com mais um longo beijo. Esta primeira noite duraria cinco anos. Laure desce do carro e desaparece na portaria. Despeço-me com a certeza de que a veria outra vez, o que mitiga a frustração de não estar, naquele momento, no mesmo elevador em que ela. Sigo para minha casa, o famoso apartamento de Montrouge.

Montrouge, tarde de primeiro de janeiro de 2004. Boca seca, enjoo e dor de cabeça. E uma sensação de vazio pela mochila com CDs, agenda e várias outras coisas que eu esquecera algumas horas antes no taxi que me deixara em casa.

Ille-de-France, algum dia de janeiro de 2004. Alguém me fala sobre o serviço de Objets Trouvés de Paris, ao qual me dirijo, e onde recupero a mochila com exatamente tudo que dentro havia.

Ato II

Paris, primavera 2007. Estação Charles de Gaulle-Étoile. Minha primeira visão ao chegar ao nível da rua é o Arco do Triunfo. O tempo está quente, tiro o paletó de lã, não sem antes verificar que minha carteira estava no bolso interno do paletó. Sigo pela Av. de la Grande Armée, vejo a numeração progredir de forma muito lenta. Para chegar ao meu destino, irei levar outros 10 minutos. Se tivesse descido na estação Porte Maillot eu chegaria mais rápido. Mesmo assim, resolvo continuar a pé.

Tateio o paletó para verificar novamente a presença da carteira, que há 10 minutos atrás estava no meu bolso. Tateio todos os bolsos. Inútil, ela já não estava mais comigo, para meu desespero. Como o trecho da Av. de la Grande Armée que eu percorrera estava vazio e escuro, decido refazer o caminho no sentido inverso, com a certeza de que encontraria a carteira pelo chão.

Estou prestes a chegar no local exato em que eu havia verificado a carteira pela última vez, e nada dela. As chances de a encontrar pelo chão tornam-se praticamente nulas. No exato momento em que pensava nisto, meu celular toca.

Número desconhecido. Tenho a certeza, não sei como, de que é algo relacionado à carteira. Dito e feito. Meu interlocutor explica ter acabado de a encontrar. Estamos a apenas alguns passos de distância. Vou ao seu encontro. Ele explica ter vasculhado a carteira em busca de um número de contato, que ele achara em um cartão de visitas.

Novamente, recupero todos meus documentos, inclusive meu titre de séjour, sem que nada estivesse faltando, mesmo os euros. Não sei como agradecer, convido a pessoa para jantar com meu pai, que está me esperando em um restaurante, mas a pessoa já tinha um compromisso. Digo que ligarei um dia desses então para refazer o convite, o que, como bom carioca, nunca cheguei a fazer.

Ato III

Inverno 2007-2008. Após 3 horas de TGV, vindos de Paris, chegamos em Grenoble, Laure e meu amigo Rodrigo, vindo diretamente de Recife. Iríamos passar uns dias nos Alpes, numa estação de esqui.

Um casal de amigos da Laure nos espera na estação de trem. Ao botar as malas no bagageiro do carro, percebo que, no afã de tirar as pranchas de snow board do trem, esquecera neste minha mochila com lap-top, carteira com dinheiro, cartão de banco, cartão de crédito, cartão de seguro saúde, e mais ainda, passaporte, titre de séjour, máquina fotográfica e óculos escuros.

Sinto uma ensação horrível, como se eu tivesse caído em um abismo. Corro, desesperado, para a plataforma, mas o trem já havia partido. Desembarcáramos há 15 minutos. Olho em volta e não vejo ninguém. A pequena estação já estava fechando, pois aquele fora o último trem.

Encontro não sei como, no final da longa plataforma, o escritório do responsável pela estação. Falo sobre a mochila, com a voz trêmula. O responsável me diz que não há nada a fazer, pois antes do trem ir para o depósito, um funcionário verifica se nada fora esquecido, e naquela noite nada havia sido encontrado. Insisto para que ele tente localizar a mochila no depósito. Não apenas porque tinha uma intuição de que a mochila ficara no trem, mas sobretudo porque esta opção era minha única esperança e eu não tinha nada a perder. Minha intuição se confirma quando meu interlocutor liga para o depósito e, por intermédio de um colega, localiza a mochila no local por mim descrito. Eu, no entanto, só poderia recuperar a mochila alguns dias depois. Mas estava tudo bem, tudo maravilhoso.

Volto, alguns dias depois, para Grenoble com o intuito de recuperar a mochila, o que faço sem problemas e sem que nada, absolutamente nada, estivesse faltando.